junho 29, 2011
DIÁRIO DE BORDO - PARTE 9
Dia de ir embora de Folkestone... as malas estão mais pesadas, mas não porque têm mais coisas dentro e sim porque levamos daqui muito mais do que trouxemos. Todas as experiências que vivemos ao longo desses dias aqui com certeza pesarão para sempre na nossa vida, hoje somos pessoas diferentes... nas palavras do nosso técnico Igor, passamos de alunas a mestras... aprendemos, praticamos, realizamos, vencemos... e de hoje em diante é nosso dever passar a frente tudo aquilo que vivenciamos. Malas pesadas... cheias de orgulho, realizações, cheias de histórias, sentimentos bons e ruins que tivemos, que fizeram desta, a jornada de nossas vidas...
... A segunda feira amanheceu com gosto de expectativa... sabíamos que aquele poderia ser nosso dia, possivelmente no final do dia. Mas um telefonema mudou tudo. Andy, nosso piloto, nos ligou às 7 da manhã dizendo que sairíamos às 9:30. Nada estava arrumado ainda... roupas, comida, equipamentos... mas daquele momento em diante parecia que sabíamos exatamente o que fazer. Cada uma de nós tinha na cabeça tudo o que precisava levar, as coisas comuns e as específicas de cada uma. Igor, Agnaldo e Ricardo também foram rápidos no preparo da alimentação e equipamentos. Todos prontos... Taxi para a Marina de Dover.
Ao chegarmos ao barco os dois Andys (pilotos) e os dois fiscais/observadores da Associação do Canal da Mancha, Frank e Keith, estava lá. Embarcamos as coisas, arrumando tudo nos compartimentos secos do barco, e logo partimos para a praia de Shakespeare Beach, onde teria início a travessia. Comecei a aquecer e alongar os braços, pois seria a primeira a nadar. Chegando lá o Igor me deu as primeiras instruções de como nadar, qual o ritmo e como seriam as trocas. Pulei na água para chegar à praia, onde tomavam sol duas mulheres... ficaram me olhando com cara de alienígena, mas apenas saí da água e ao escutar a buzinha do barco dando a “largada”, olhei para o céu e sem pedir nada, soube que estaríamos protegidas.
A primeira nadada foi fácil, os dias de treino haviam nos preparado para o frio. A água tinha a mesma temperatura, porém a superfície estava um pouco mais quente por causa do sol e do mar sem ondas. Nadei firme e feliz, nadei de olho no barco, mas com uma cabeça que viajava pelos tantos meses de treino, de esforço, de planejamento, de bons e maus momentos que passamos... nadei sabendo que ali terminaria de algum modo um ciclo da minha vida e da vida de minhas amigas. Foi bom, uma sensação de alegria e realização.
Dei a vez à Pri, ela foi a segunda a nadar... Subi no barco e rapidamente troquei de roupa para me aquecer. O sol estava forte, então me aquecer foi bem fácil. Me hidratei, comi... um ritual que se repetiria por mais algumas vezes ao decorrer da travessia. O astral no barco estava ótimo, é claro que cada uma guardava para si a expectativa de sua primeira caída na água, mas nos rostos eu podia ver a alegria de estar ali. Começamos a transmitir ao vivo pela internet, uma experiência que acabou por ser incrível... as pessoas podiam ver nossa prova e nós podíamos receber suas mensagens escritas. A terceira a nadar foi a Lu e depois a Martinha. O sorriso no rosto de cada uma ao sair da água era a resposta do que cada uma estava sentindo. Todas nadamos com vontade, com força, com alegria... alegria de estar realizando um sonho, alegria de estar fazendo aquilo que mais amamos.
A segunda rodada foi igualmente tranqüila, o sol continuou a nos esquentar, o vento não apareceu, o mar foi nosso amigo. Fui visitada por uma – se é que posso adotar esse coletivo... – ‘enxurrada’ de águas vivas... passei nadando por cima delas e uma maior queimou meu braço. A experiência de outras provas e outras queimaduras me fez não desconcentrar, pois sabia que o ardor era passageiro. A Pri teve a visita de uma família mais célebre... vários golfinhos nadaram perto dela por alguns minutos. Para nós que estávamos fora foi fantástico, para ela, acho que meio assustador... os “peixes grandes” que depois ela descobriu que eram apenas golfinhos!!! Na vez da Lu uma movimentação diferente tomou conta do barco. Igor andando de lá pra cá, conversando com os pilotos, com o Agnaldo... euforia nos olhos dele e a notícia de uma grande possibilidade: estávamos atrás do recorde mundial do revezamento feminino para a ‘perna’ Inglaterra – França. Jamais sonhamos com isso, mas era então um novo objetivo a perseguirmos. Começamos a gritar para a Lu apertar o ritmo e mesmo não sabendo o porquê, ela apertou. Martinha caiu na água na seqüência com a missão de nadar forte e me entregar o bastão a tempo de chegar à França na minha vez. A minha missão então foi nadar quase 2km em 1 hora... disse no barco que se não conseguisse, me aposentava... rsrs... nadei forte, provavelmente como nunca antes nadei... o Igor levantava a placa escrito “800m para a França, FORÇA!!” e aquilo me empurrava pois eu sabia que chegaria a tempo! 600, 400, 200... o barco parou, pois não podia mais avançar e sozinha fui até colocar os pés em solo Francês. Não conseguia respirar, o ar não entrava, misto de emoção e de toda a força que havia feito para chegar... pisei na areia, levantei os braços, a buzinha tocou... recorde batido!! Conquistamos a França em 8 horas e 22 minutos!!! AGORA ERA SÓ VOLTAR!!
O “só voltar” parecia fácil depois de uma ida tão tranqüila, o sol continuava firme no céu, o mar calmo. Sabíamos que, com o recorde batido na ida, tínhamos a possibilidade de bater o da ida e volta, então continuamos a nadar firme e com vontade. O dia foi chegando ao fim por volta das 21:30 da noite com a Martinha na água e com o fim do dia também foi embora o conforto do sol. Nadar à noite era meu maior fantasma, eu sempre disse isso às pessoas mais próximas. Caí na água no escuro da noite como alguém que vai para o sacrifício, não tenho a menor vergonha em dizer que tive muito medo e meu maior erro foi deixar que minha cabeça acabasse comigo. Frio, muito frio, era só o que eu pensava e sentia. Contava cada segundo para sair daquele pavor, não queria mais, estava sofrendo. Quando vi a Pri começar a se preparar para entrar na água sabia que ainda faltavam uns 20 minutos para acabar minha vez... acho que esses foram os mais longos e piores 20 minutos da minha vida! Entrei no barco tremendo muito e só pensava em por roupa e me aquecer.
Se eu achava que estava ruim, mal sabia que estava para ficar pior. A Lu, após me ajudar, sentou ao meu lado e me explicou que havíamos pego uma corrente contra e por isso havíamos nos desviado dois milhas do nosso rumo. Por esse motivo, os fiscais da prova queriam interrompê-la pois estávamos indo para fora da Inglaterra. Por mais que eu soubesse que parar não era o que eu queria no meu coração, meu corpo naquela hora dizia que era hora de parar. Eu não tinha forças, mas ao mesmo tempo apenas deixei para que os acontecimentos ditassem o que seria dali para frente. A Pri havia entrado na água com a missão de nadar por 30 minutos sem regredir mais e se assim fosse, tentaríamos continuar. A chance naquele ponto era nos colocar diretamente contra a corrente e nadar por uma hora e meia até que a corrente mudasse. Os fiscais acharam loucura, que não agüentaríamos, mas o Igor acreditou e disse: “eu treinei essas meninas, não você, eu sei do que elas são capazes de agüentar”. E com essa posição, permanecemos paradas pela uma hora e meia seguinte. A Lu entrou com a mesma missão que a Pri, conseguindo, em uma hora, nadar uma milha (cerca de 1,8 km), mas com as duas seguramos a posição e agüentamos a corrente, voltando ao jogo. Quando a Martinha entrou na água pela última vez estávamos novamente avançando e faltavam apenas 14km para a Inglaterra.
Antes de entrar novamente na água conversei por mensagem com minha irmã e duas amigas, essas conversas me deram forças, me fizeram ter confiança em mim. Mas ali, algo falou ainda mais forte, que foi a equipe. Ver nossos técnicos fazendo o máximo para nos manter no jogo, ver minhas amigas dando o sangue para nos manter na corrente, cada uma cuidando da outra e se apoiando psicologicamente... ali aprendi enfim o verdadeiro significado de EQUIPE, ali eu soube que chegaríamos ao fim, porque não éramos apenas pessoas em busca de um objetivo, éramos UMA EQUIPE.
Assim, a quinta entrada na água foi para mim um divisor de águas, foi onde aprendi que a cabeça dita tudo. Pensamento positivo, ter a fé, a força, a coragem... sentada na beira do barco antes de entrar a Pri me falou sobre uma passagem da Bíblia e realmente eu sabia que estava protegida. Pulei para a água escura e gelada, mas não senti mais frio... coloquei a imagem do sol na minha cabeça e passei uma hora cantando sozinha a música que embalou um dos nossos melhores treinos aqui: HERE COMES THE SUN... pode ser ridículo, mas aquilo me manteve concentrada e focada no nado forte que eu tinha que imprimir. A presença constante do Agnaldo e do Igor ao meu lado no barco também me fortificava e me fazia saber que tudo ficaria bem. Foi a hora mais rápida e foi onde eu soube que era muito mais forte do que eu mesma poderia pensar. Quando voltei para o barco e me troquei, sabendo que não entraria mais na água, me senti feliz, não porque tinha acabado minha missão, mas porque eu havia me superado. Limites que só estão na nossa cabeça.
A Pri nadou muito forte embalada por gritos e por muita força dos nossos técnicos... se esforçou tanto que quando saiu da água passou mal, vomitou, algo normal quando fazemos tanta força. E ela tinha feito provavelmente a melhor prova de distância da vida dela... precisávamos disso para voltar a ter a possibilidade do recorde. E conseguimos! Mais uma vez estávamos no páreo e quando finalmente a Lu caiu na água faltavam cerca de 3km, mas com a tarefa de quebrar mais uma corrente. Eu estava fazendo a transmissão ao vivo e as pessoas falavam de como ela estava nadando forte... e estava mesmo!! Estava nadando para ser aquela que teria a satisfação de comemorar na praia da Inglaterra não só a conquista do Canal, mas de mais um recorde! Estava nadando por ela, por nós três, pelos nossos técnicos, nossa equipe toda, pela Balkis, pelos nossos amigos e família... ali éramos as quatro nos braços de uma... Narrar aquilo para as pessoas que nos acompanhavam pela internet foi, para mim, algo inesquecível, uma satisfação e um orgulho! Faltavam poucos metros, a equipe gritava, os amigos gritavam de casa escrevendo “VAAAAIIIII!...”! O Igor entrou no barco de apoio para acompanhar a Lu, já que o barco grande não chegaria à praia. Começou a chover, comecei a chorar... chuvas e choros na Inglaterra, no Brasil, nos Estados Unidos, em Shanghai... mensagens de todos os lados: “VAAAAIIIIII!...”. A Lu saiu da água, levantou os braços... expectativa... a buzina tocou! Muita emoção, choro, alegria... um grito de alegria por tudo que se passou nesse mais de um ano... Recorde batido!! Conquistamos o Canal da Mancha em 18 horas e 42 minutos!!!
Quando a Lu voltou ao barco, o nascer do sol mais lindo de nossa vida aconteceu e nos iluminou para voltarmos para o porto. O controle do porto, que até ali nos mandava sair daquele espaço, pois estávamos no espaço dos cargueiros, agora nos parabenizava pelo feito e nos liberava para entrar pela porta da frente, onde nenhum barco de pesca entra... para o Andy, nosso piloto, tenho certeza que aquilo foi motivo de muito orgulho, vi em seus olhos...
Não sei até hoje explicar o sentimento, não sei ainda o que é ser alguém entre as quatro únicas pessoas do mundo que realizaram essa travessia da forma que fizemos e ainda por cima ser duplamente recordista mundial... Mundo... ele é tão grande... como assim???? Ainda não sei o que isso significa, possivelmente vá entender um dia! Hoje apenas penso em compartilhar isso com quem quiser saber, contar essa jornada...
E a jornada chegou ao fim... é hora de voltar, mas não sem antes agradecer!
Obrigada a vocês que nos acompanharam desde o primeiro momento... no projeto, nas piscinas e provas, no dia a dia, no trabalho, em casa... obrigada pelas palavras de incentivo sempre, as de conforto quando foi preciso... sem apoio não chegaríamos aqui.
Obrigada ao Igor por acreditar sempre, mesmo nem sempre mostrando isso. Hoje entendemos muito bem porque tudo foi como foi, entendemos as broncas, a maneira de nos guiar. Eu posso dizer que aprendi muito com você, meu “chefe” e te agradeço toda dedicação, todas as palavras que soube me dizer quando precisei, pois precisei muitas vezes. Sei que não foi fácil para você também, mas acredito que também tenha sido um aprendizado.
Obrigada ao Agnaldo, por ter sido um grande apoio nestes dias... um cara de poucas palavras e de muito humor, alguém surpreendente na nossa viagem!
Obrigada ao Ricardo por sempre contar nossa Jornada com o coração!!
E obrigada à BALKIS por acreditar em nós desde o primeiro momento e por nos tratar não somente como atletas, mas como família. Vocês deram a nós uma oportunidade que infelizmente em nosso país não é comum... pois sonhos, muitas pessoas têm, mas nem sempre têm a possibilidade de ir em busca deles por razões financeiras. Vocês nos deram os meios para realizar um sonho e hoje me orgulho, pois sei que finalmente retribuímos à altura de tudo o que vocês fizeram por nós.
Beijos,
Giu
... A segunda feira amanheceu com gosto de expectativa... sabíamos que aquele poderia ser nosso dia, possivelmente no final do dia. Mas um telefonema mudou tudo. Andy, nosso piloto, nos ligou às 7 da manhã dizendo que sairíamos às 9:30. Nada estava arrumado ainda... roupas, comida, equipamentos... mas daquele momento em diante parecia que sabíamos exatamente o que fazer. Cada uma de nós tinha na cabeça tudo o que precisava levar, as coisas comuns e as específicas de cada uma. Igor, Agnaldo e Ricardo também foram rápidos no preparo da alimentação e equipamentos. Todos prontos... Taxi para a Marina de Dover.
Ao chegarmos ao barco os dois Andys (pilotos) e os dois fiscais/observadores da Associação do Canal da Mancha, Frank e Keith, estava lá. Embarcamos as coisas, arrumando tudo nos compartimentos secos do barco, e logo partimos para a praia de Shakespeare Beach, onde teria início a travessia. Comecei a aquecer e alongar os braços, pois seria a primeira a nadar. Chegando lá o Igor me deu as primeiras instruções de como nadar, qual o ritmo e como seriam as trocas. Pulei na água para chegar à praia, onde tomavam sol duas mulheres... ficaram me olhando com cara de alienígena, mas apenas saí da água e ao escutar a buzinha do barco dando a “largada”, olhei para o céu e sem pedir nada, soube que estaríamos protegidas.
A primeira nadada foi fácil, os dias de treino haviam nos preparado para o frio. A água tinha a mesma temperatura, porém a superfície estava um pouco mais quente por causa do sol e do mar sem ondas. Nadei firme e feliz, nadei de olho no barco, mas com uma cabeça que viajava pelos tantos meses de treino, de esforço, de planejamento, de bons e maus momentos que passamos... nadei sabendo que ali terminaria de algum modo um ciclo da minha vida e da vida de minhas amigas. Foi bom, uma sensação de alegria e realização.
Dei a vez à Pri, ela foi a segunda a nadar... Subi no barco e rapidamente troquei de roupa para me aquecer. O sol estava forte, então me aquecer foi bem fácil. Me hidratei, comi... um ritual que se repetiria por mais algumas vezes ao decorrer da travessia. O astral no barco estava ótimo, é claro que cada uma guardava para si a expectativa de sua primeira caída na água, mas nos rostos eu podia ver a alegria de estar ali. Começamos a transmitir ao vivo pela internet, uma experiência que acabou por ser incrível... as pessoas podiam ver nossa prova e nós podíamos receber suas mensagens escritas. A terceira a nadar foi a Lu e depois a Martinha. O sorriso no rosto de cada uma ao sair da água era a resposta do que cada uma estava sentindo. Todas nadamos com vontade, com força, com alegria... alegria de estar realizando um sonho, alegria de estar fazendo aquilo que mais amamos.
A segunda rodada foi igualmente tranqüila, o sol continuou a nos esquentar, o vento não apareceu, o mar foi nosso amigo. Fui visitada por uma – se é que posso adotar esse coletivo... – ‘enxurrada’ de águas vivas... passei nadando por cima delas e uma maior queimou meu braço. A experiência de outras provas e outras queimaduras me fez não desconcentrar, pois sabia que o ardor era passageiro. A Pri teve a visita de uma família mais célebre... vários golfinhos nadaram perto dela por alguns minutos. Para nós que estávamos fora foi fantástico, para ela, acho que meio assustador... os “peixes grandes” que depois ela descobriu que eram apenas golfinhos!!! Na vez da Lu uma movimentação diferente tomou conta do barco. Igor andando de lá pra cá, conversando com os pilotos, com o Agnaldo... euforia nos olhos dele e a notícia de uma grande possibilidade: estávamos atrás do recorde mundial do revezamento feminino para a ‘perna’ Inglaterra – França. Jamais sonhamos com isso, mas era então um novo objetivo a perseguirmos. Começamos a gritar para a Lu apertar o ritmo e mesmo não sabendo o porquê, ela apertou. Martinha caiu na água na seqüência com a missão de nadar forte e me entregar o bastão a tempo de chegar à França na minha vez. A minha missão então foi nadar quase 2km em 1 hora... disse no barco que se não conseguisse, me aposentava... rsrs... nadei forte, provavelmente como nunca antes nadei... o Igor levantava a placa escrito “800m para a França, FORÇA!!” e aquilo me empurrava pois eu sabia que chegaria a tempo! 600, 400, 200... o barco parou, pois não podia mais avançar e sozinha fui até colocar os pés em solo Francês. Não conseguia respirar, o ar não entrava, misto de emoção e de toda a força que havia feito para chegar... pisei na areia, levantei os braços, a buzinha tocou... recorde batido!! Conquistamos a França em 8 horas e 22 minutos!!! AGORA ERA SÓ VOLTAR!!
O “só voltar” parecia fácil depois de uma ida tão tranqüila, o sol continuava firme no céu, o mar calmo. Sabíamos que, com o recorde batido na ida, tínhamos a possibilidade de bater o da ida e volta, então continuamos a nadar firme e com vontade. O dia foi chegando ao fim por volta das 21:30 da noite com a Martinha na água e com o fim do dia também foi embora o conforto do sol. Nadar à noite era meu maior fantasma, eu sempre disse isso às pessoas mais próximas. Caí na água no escuro da noite como alguém que vai para o sacrifício, não tenho a menor vergonha em dizer que tive muito medo e meu maior erro foi deixar que minha cabeça acabasse comigo. Frio, muito frio, era só o que eu pensava e sentia. Contava cada segundo para sair daquele pavor, não queria mais, estava sofrendo. Quando vi a Pri começar a se preparar para entrar na água sabia que ainda faltavam uns 20 minutos para acabar minha vez... acho que esses foram os mais longos e piores 20 minutos da minha vida! Entrei no barco tremendo muito e só pensava em por roupa e me aquecer.
Se eu achava que estava ruim, mal sabia que estava para ficar pior. A Lu, após me ajudar, sentou ao meu lado e me explicou que havíamos pego uma corrente contra e por isso havíamos nos desviado dois milhas do nosso rumo. Por esse motivo, os fiscais da prova queriam interrompê-la pois estávamos indo para fora da Inglaterra. Por mais que eu soubesse que parar não era o que eu queria no meu coração, meu corpo naquela hora dizia que era hora de parar. Eu não tinha forças, mas ao mesmo tempo apenas deixei para que os acontecimentos ditassem o que seria dali para frente. A Pri havia entrado na água com a missão de nadar por 30 minutos sem regredir mais e se assim fosse, tentaríamos continuar. A chance naquele ponto era nos colocar diretamente contra a corrente e nadar por uma hora e meia até que a corrente mudasse. Os fiscais acharam loucura, que não agüentaríamos, mas o Igor acreditou e disse: “eu treinei essas meninas, não você, eu sei do que elas são capazes de agüentar”. E com essa posição, permanecemos paradas pela uma hora e meia seguinte. A Lu entrou com a mesma missão que a Pri, conseguindo, em uma hora, nadar uma milha (cerca de 1,8 km), mas com as duas seguramos a posição e agüentamos a corrente, voltando ao jogo. Quando a Martinha entrou na água pela última vez estávamos novamente avançando e faltavam apenas 14km para a Inglaterra.
Antes de entrar novamente na água conversei por mensagem com minha irmã e duas amigas, essas conversas me deram forças, me fizeram ter confiança em mim. Mas ali, algo falou ainda mais forte, que foi a equipe. Ver nossos técnicos fazendo o máximo para nos manter no jogo, ver minhas amigas dando o sangue para nos manter na corrente, cada uma cuidando da outra e se apoiando psicologicamente... ali aprendi enfim o verdadeiro significado de EQUIPE, ali eu soube que chegaríamos ao fim, porque não éramos apenas pessoas em busca de um objetivo, éramos UMA EQUIPE.
Assim, a quinta entrada na água foi para mim um divisor de águas, foi onde aprendi que a cabeça dita tudo. Pensamento positivo, ter a fé, a força, a coragem... sentada na beira do barco antes de entrar a Pri me falou sobre uma passagem da Bíblia e realmente eu sabia que estava protegida. Pulei para a água escura e gelada, mas não senti mais frio... coloquei a imagem do sol na minha cabeça e passei uma hora cantando sozinha a música que embalou um dos nossos melhores treinos aqui: HERE COMES THE SUN... pode ser ridículo, mas aquilo me manteve concentrada e focada no nado forte que eu tinha que imprimir. A presença constante do Agnaldo e do Igor ao meu lado no barco também me fortificava e me fazia saber que tudo ficaria bem. Foi a hora mais rápida e foi onde eu soube que era muito mais forte do que eu mesma poderia pensar. Quando voltei para o barco e me troquei, sabendo que não entraria mais na água, me senti feliz, não porque tinha acabado minha missão, mas porque eu havia me superado. Limites que só estão na nossa cabeça.
A Pri nadou muito forte embalada por gritos e por muita força dos nossos técnicos... se esforçou tanto que quando saiu da água passou mal, vomitou, algo normal quando fazemos tanta força. E ela tinha feito provavelmente a melhor prova de distância da vida dela... precisávamos disso para voltar a ter a possibilidade do recorde. E conseguimos! Mais uma vez estávamos no páreo e quando finalmente a Lu caiu na água faltavam cerca de 3km, mas com a tarefa de quebrar mais uma corrente. Eu estava fazendo a transmissão ao vivo e as pessoas falavam de como ela estava nadando forte... e estava mesmo!! Estava nadando para ser aquela que teria a satisfação de comemorar na praia da Inglaterra não só a conquista do Canal, mas de mais um recorde! Estava nadando por ela, por nós três, pelos nossos técnicos, nossa equipe toda, pela Balkis, pelos nossos amigos e família... ali éramos as quatro nos braços de uma... Narrar aquilo para as pessoas que nos acompanhavam pela internet foi, para mim, algo inesquecível, uma satisfação e um orgulho! Faltavam poucos metros, a equipe gritava, os amigos gritavam de casa escrevendo “VAAAAIIIII!...”! O Igor entrou no barco de apoio para acompanhar a Lu, já que o barco grande não chegaria à praia. Começou a chover, comecei a chorar... chuvas e choros na Inglaterra, no Brasil, nos Estados Unidos, em Shanghai... mensagens de todos os lados: “VAAAAIIIIII!...”. A Lu saiu da água, levantou os braços... expectativa... a buzina tocou! Muita emoção, choro, alegria... um grito de alegria por tudo que se passou nesse mais de um ano... Recorde batido!! Conquistamos o Canal da Mancha em 18 horas e 42 minutos!!!
Quando a Lu voltou ao barco, o nascer do sol mais lindo de nossa vida aconteceu e nos iluminou para voltarmos para o porto. O controle do porto, que até ali nos mandava sair daquele espaço, pois estávamos no espaço dos cargueiros, agora nos parabenizava pelo feito e nos liberava para entrar pela porta da frente, onde nenhum barco de pesca entra... para o Andy, nosso piloto, tenho certeza que aquilo foi motivo de muito orgulho, vi em seus olhos...
Não sei até hoje explicar o sentimento, não sei ainda o que é ser alguém entre as quatro únicas pessoas do mundo que realizaram essa travessia da forma que fizemos e ainda por cima ser duplamente recordista mundial... Mundo... ele é tão grande... como assim???? Ainda não sei o que isso significa, possivelmente vá entender um dia! Hoje apenas penso em compartilhar isso com quem quiser saber, contar essa jornada...
E a jornada chegou ao fim... é hora de voltar, mas não sem antes agradecer!
Obrigada a vocês que nos acompanharam desde o primeiro momento... no projeto, nas piscinas e provas, no dia a dia, no trabalho, em casa... obrigada pelas palavras de incentivo sempre, as de conforto quando foi preciso... sem apoio não chegaríamos aqui.
Obrigada ao Igor por acreditar sempre, mesmo nem sempre mostrando isso. Hoje entendemos muito bem porque tudo foi como foi, entendemos as broncas, a maneira de nos guiar. Eu posso dizer que aprendi muito com você, meu “chefe” e te agradeço toda dedicação, todas as palavras que soube me dizer quando precisei, pois precisei muitas vezes. Sei que não foi fácil para você também, mas acredito que também tenha sido um aprendizado.
Obrigada ao Agnaldo, por ter sido um grande apoio nestes dias... um cara de poucas palavras e de muito humor, alguém surpreendente na nossa viagem!
Obrigada ao Ricardo por sempre contar nossa Jornada com o coração!!
E obrigada à BALKIS por acreditar em nós desde o primeiro momento e por nos tratar não somente como atletas, mas como família. Vocês deram a nós uma oportunidade que infelizmente em nosso país não é comum... pois sonhos, muitas pessoas têm, mas nem sempre têm a possibilidade de ir em busca deles por razões financeiras. Vocês nos deram os meios para realizar um sonho e hoje me orgulho, pois sei que finalmente retribuímos à altura de tudo o que vocês fizeram por nós.
Beijos,
Giu
junho 26, 2011
DIÁRIO DE BORDO - PARTE 8
Acho que esse diário de bordo seria muito desinteressante se simplesmente chegasse ao fim sem uma emoção mais forte do tipo "quem matou Odete Roitman"... as coisas têm a possibilidade de saírem certinhas... ou não... Fato que não teríamos achado ruim não ter surpresas, mas tê-las faz a coisa toda ter um sabor diferente e também nos faz viver novos momentos que não viveríamos sem elas.
Como aqui é "dia sim - dia não", amanheceu uma neblina incrível, não dava para ver nada! Pensamos: melhor assim, quer dizer que o Alfredo não vai ter vento!! É, ele não teve mesmo vento... mas não teve travessia também!! Descendo para o café a Pri foi fazer uma brincadeirinha batendo na porta do quarto dele e teve uma grande surpresa quando a porta se abriu! "O que vocês estão fazendo aqui???"... Pois é, a neblina foi tanta que ninguém pôde sair para atravessar, então eles voltaram.
Confesso que a notícia, à princípio, me deixou meio abalada e apreensiva. E agora???? Mas nada como parar e pensar. Não tem problema, ainda estamos no domingo, ainda temos 6 dias para fazer as coisas acontecerem!! Pensamento positivo é a melhor maneira de fa
zer as coisas fluírem... Fomos para a praia às 11 da manhã, a neblina ainda estava lá, mas o mar estava muito calmo... e frio! Hasteamos a bandeira Balkis, ainda não tínhamos feito isso... Depois nadamos tranquilas por meia hora, "só para soltar", disse o Agnaldo. Até paramos no meio do caminho para filmar e tirar fotos dentro do mar!! Voltamos no mesmo ritmo e saímos bem da água, pensando que possivelmente aquele teria sido nosso último treino. ÚLTIMO!!!!! Tomara!!!
Fomos almoçar e o Alfredo apareceu, estava tranquilo e confiante... isso foi bom de ver!! A possibilidade era que ele saísse às 5 da tarde. Tomei minha cervejinha, almoçamos sem pressa, como sempre... o céu ficou azul e o sol apareceu maravilhoso!! A cidade está mesmo bombando... todo mundo nas ruas, pessoas de shorts e camisetas, como se estivéssemos nos 35graus do verão brasileiro, crianças brincando na fonte, motoqueiros para todos os lados... a alegria do verão!!! Como eu disse esses dias: o sol muda TUDO!! À caminho do hotel decidimos caminhar até a ponta do píer, onde não havíamos ido ainda. A vista é linda!!! Pudemos ver as pessoas na praia, os pescadores, as falésias, o mar infinito... comentamos: "vocês poderiam imaginar isso um dia?? sair daqui e ir até lá??". Olhar para a França e não vê-la dá uma sensação que nadaremos até o fim do mundo... daqui juro que parece impossível... mas não é!! E chegaremos até lá!!
Fomos descansar na praia, hoje ela está lotada, muita gente tomando sol. Estava um sol gostoso e dormimos um pouco ali, até a hora que o Alfredo deveria sair. Ninguém no saguão do hotel... mas de repente o elevador abre e saem os rapazes com toda a "mudança" para a travessia... ELES VÃO PARTIR!!! Não resistimos e fomos junto com eles para Dover, queríamos dar uma força no momento final... Foi legal, conhecemos nosso barco, nosso piloto, o Andy, e os vimos partir... BOA SORTE!!!
Na volta pra casa compramos a prometida Guiness... na geladeira vai dar mais sorte!!!
Enquanto isso, ficaremos na expectativa para nossa hora, pode ser amanhã a tarde, a noite... terça... quarta... não sabemos quando, mas sabemos que chegará... e no momento certo estaremos prontas para a nossa partida!!!
Beijos,
Giu
junho 25, 2011
DIÁRIO DE BORDO - PARTE 7
Há muito tempo não dava tantos "refreshs" em um site quanto tenho dado no tal do site de previsão dos ventos... nova mania no hotel Grand Canaria... rsrs. Como se eu fosse a mais entendida no assunto, mas a verdade é que vejo as velocidades do vento, se tem mais figurinhas de sol que de nuvens, para onde a setinha aponta e a temperatura... muito intuitivo e com uma ajuda dos Universitários (no caso, o chefe...) começo a entender se segunda será mesmo um dia propício. O site disse que sim!!
Hoje tivemos a primeira grande notícia com a ligação do Andy, nosso piloto, confirmando a saída do Alfredo para amanhã 4:30 da manhã. Alfredo vai fazer a travessia solo até a França, amanhã estaremos na torcida dele para que consiga essa conquista!! É sempre bom ver mais um brasileiro na lista daqueles que conquistaram o Canal e tenho que o dia de amanhã nos dará mais força para o nosso... portanto, no dia de amanhã, desviem as figas de vocês e torçam pelo Alfredo para que ele volte feliz para nosso hotel!! Eu prometi que vou o esperar com uma Guiness bem geladinha!!!!
Bem, amanhã será dia de atualizar por mais um milhão de vezes o windfinder... e também arrumar as coisas e aguardar pela nossa ligação!! Quando Andy ligar e disser que confirma a ida e o horário, poderemos postar aqui a hora que todo mundo vai poder se ligar no nosso site para acompanhar ao vivo. Sabemos que para vocês será madrugada, mas se reunam com os amigos, comprem uma cervejinha e se preparem para acompanhar o último capítulo do BigBrother Canal da Mancha... vai ter prova de resistência!!!
Beijos!!
Giu
A gente às vezes se assusta quando amanhece um dia nublado e com vento, acha que tudo foi por água abaixo. Nosso treino foi nestas condições hoje, o vento fez o mar bater, mas nadamos por uns 40 minutos bem juntas para não nos perdermos nas ondas. Pra quem já assistiu o filme Anjos da Vida, que conta a história de Salva Vidas da Marinha Americana, me sinto como numa cena do filme ao ver minhas amigas nas ondas para cima e para baixo. Perigoso? Diria que não... Mas é uma cena interessante... E menos perigoso ainda porque hoje tivemos a companhia de um grande barco da Guarda Costeira que resolveu ancorar na "nossa" praia...
Aliás, dizem por aqui que os rapazes estão começando a sentir os efeitos da convivência diária com 4 mulheres... Ontem Ricardo se jogou ao mar gelado e nadou... mesmo não sabendo nadar! Hoje Agnaldo se atirou ao mar e não contente, quase entrou embaixo do tal do barco da Guarda Costeira... os rapazes estão enlouquecendo!!!! Ainda não sabemos qual será a tentativa do Igor de aliviar as tensões causadas por nós, mas estamos tentando dar um refresco... Podem imaginar o que significa por um ano ouvir todas as crises femininas e TPMs de 4 mulheres ao mesmo tempo??? Pois é, Igor não bateu só o recorde do Canal, mas também está batendo o recorde de tentativa de compreender as mulheres... Sabemos que a vida dele nunca mais será a mesma depois de nos ter treinado... mas também tenho a certeza que jamais ele voltará a Folkestone sem se lembrar desses dias divertidos que tivemos aqui!!! Ele ainda sentirá saudades de nós 4!!!
Hoje tivemos a primeira grande notícia com a ligação do Andy, nosso piloto, confirmando a saída do Alfredo para amanhã 4:30 da manhã. Alfredo vai fazer a travessia solo até a França, amanhã estaremos na torcida dele para que consiga essa conquista!! É sempre bom ver mais um brasileiro na lista daqueles que conquistaram o Canal e tenho que o dia de amanhã nos dará mais força para o nosso... portanto, no dia de amanhã, desviem as figas de vocês e torçam pelo Alfredo para que ele volte feliz para nosso hotel!! Eu prometi que vou o esperar com uma Guiness bem geladinha!!!!
Bem, amanhã será dia de atualizar por mais um milhão de vezes o windfinder... e também arrumar as coisas e aguardar pela nossa ligação!! Quando Andy ligar e disser que confirma a ida e o horário, poderemos postar aqui a hora que todo mundo vai poder se ligar no nosso site para acompanhar ao vivo. Sabemos que para vocês será madrugada, mas se reunam com os amigos, comprem uma cervejinha e se preparem para acompanhar o último capítulo do BigBrother Canal da Mancha... vai ter prova de resistência!!!
Beijos!!
Giu
junho 24, 2011
DIÁRIO DE BORDO - PARTE 6
Here comes the sun, here comes the sun,
and I say it's all right Little darling, it's been a long cold lonely winter
Little darling, it feels like years since it's been here
Here comes the sun, here comes the sun
and I say it's all right
Little darling, the smiles returning to the faces
Little darling, it seems like years since it's been here
Here comes the sun, here comes the sun
and I say it's all right
Little darling, I feel that ice is slowly melting
Little darling, it seems like years since it's been clear
Here comes the sun, here comes the sun, and I say it's all right
It's all right
Hoje acordamos antes do despertador… uma luz diferente entrava pela janela: O SOL!!!!
Desde que chegamos aqui o amanhecer sempre foi meio nublado, sem uma luzinha mais amigável para nos dar bom dia. Esse sol nos inspirou a cantar a música dos Beatles “Here comes the Sun...”, como uma forma de festejar o início do dia. Eu e Lú nos preparamos para o café cantando...
“Little darling, it feels like years since it's been here”
Descemos para o café e infelizmente era a folga do Norman... o café não foi tão bom hoje!! Mas ok, ele merece um dia sem nós... Hoje faz 6 dias que estamos aqui e parece que faz um tempão... como eu já disse, nos sentimos em casa, não em um hotel!! Já entramos na cozinha, na geladeira (daquelas bem grandes!!), fazemos ginástica no meio do saguão e dormimos no sofá da sala... Quem disse que somos somente hóspedes??? O Quest (pastor bem velhinho que fica rodando pelo hotel) nem late mais para nós!! Sim, aqui somos de casa...
“Little darling, the smiles returning to the faces”
Depois do café eu e Lu fomos mais cedo para a praia aproveitar o sol…
Ontem começou o verão aqui... Mas acho que ele perdeu o trem para Folkestone e chegou apenas hoje. Depois a Lu foi até o hotel e eu estava tirando fotos, quando vi de longe uma senhora caminhando nas pedras, ela era a única caminhando na praia. Ela veio chegando mais perto e quando chegou até onde eu estava sentada me disse (tipicamente inglesa!!!): “Such a lovely Day, isn’t it??”... e me disse que achava incrível que apenas nós 3 (eu, ela e um pescador) estivéssemos na praia num dia tão lindo!! “Me sinto muito mais viva depois de vir à praia e aproveitar este sol!!”, ela disse. Verdade... E é impressionante como o sol muda todos os humores...
“Little darling, I feel that ice is slowly melting”
A cada dia o frio do Canal parece menor... O Igor diz que o corpo demora 5 dias para se acostumar a esse tipo de condição. Realmente sentimos menos frio, meu pés sofrem bem menos (também porque a Lu deu a brilhante idéia de passar graxa só neles!!), os treinos parecem mais rápidos e mais fáceis.
Andamos até tendo companhia de quem não vai atravessar!!! Ontem o Agnaldo caiu na água para treinar, hoje foi o Ricardo, que para dar mais realidade às suas histórias, resolveu experimentar o frio do canal... passou dois minutos lá dentro, é verdade, dois que ele pensou terem sido meia hora!!!!! Rsrsrs...
Sentir a água menos fria é animador, pois temos mais confiança que o frio é um inimigo com o qual poderemos brigar: já conhecemos as armas dele e vamos com as nossas.
Mas sendo sincera, tem outra coisa que derrete esse gelo todo, que é a energia que recebemos de todos aí no Brasil, nossa família, amigos, todos os que torcem por nós e que nos apóiam. Esse calor, nem o sol tem igual!!!Até me admira o calor dos Ingleses!! Todo mundo diz que Ingês é frio, mas sempre que entramos em uma loja, alguém nos pergunta o que viemos fazer e todos se admiram ao saber do desafio com um – também tipicamente inglês – “OH My God!!!”... Hoje no café depois do almoço o rapaz adorou tanto a aventura que propôs: “se vocês atravessarem, cafés e doces por nossa conta!!!”... com certeza voltaremos, pois ele é dono dos melhores doces da cidade!!!
Cada dia tem sido especial a sua maneira, os dias ruins servem de aprendizado, os bons servem como inspiração! Ontem chegaram aqui Cris e Claudio, amigos da Marta que moram na Suíça. Hoje chegou o Dr. Fumagali com sua família. É bom ter conhecidos perto de nós, faz o dia passar mais rápido e ter novas histórias a compartilhar. Agora sinto que a apreensão de antes se transformou na ansiedade da partida, mas é um sentimento legal, que a coisa toda está para acontecer. Me sinto bem, me sinto em paz!! Temos uma real possibilidade de sair na segunda-feira de madrugada, mas nenhuma certeza ainda... já vivemos dias de calmaria e tormenta e por isso sabemos que aqui temos realmente que viver um dia de cada vez... e assim vamos: vivendo e contando um dia de cada vez!!!
Beijos!!
Giu.
junho 23, 2011
DIÁRIO DE BORDO - PARTE 5
Quando a cabeça está boa e a vontade de realizar é maior que qualquer dificuldade, tudo parece mais fácil...
Hoje acordamos com um tempo bom, da janela o vento parecia menor que ontem, mas sabíamos que o mar não estava tão calmo. Tomamos nosso café da manhã como todos os dias e rimos com o Norman e seu jeito esquisito. Norman é o senhor que nos serve café da manhã todos os dias... no primeiro dia o Igor avisou: “não se assustem com ele”... e à primeira vista realmente é uma figura estranha... Talvez essa “figura” não faça dele alguém tão amigável, mas no fundo é um cara de bom coração e sozinho. Como conversamos e brincamos com ele, ele virou nosso amigo e já sabe nossas manias... sabe que a Lu gosta de geléia de laranja no café, que não somos fãs do café da manhã inglês com ovos e lingüiça, mas comemos algumas cestas de torradas feitas na hora. Sabe também que gostamos de leite e café, então todos os dias já se adianta: “hot Milk and coffe, right??”... Yes Norman!!!!
Depois do café descansamos um pouco e fomos treinar. O vento estava forte, mas não como ontem, assim como o mar. Fizemos um treino de uma hora, indo até o final da praia e voltando duas vezes. Fizemos braço e perna e acabamos rindo no meio do mar, cada uma com seus pensamentos... eu pensei que era engraçado estar batendo perninha no Canal da Mancha... quando em minha vida imaginei isso??? Ah, jamais...
Na segunda volta, lá no final da praia, começamos a sentir o mar bater mais, o vento apertar... aí era hora de fazer força e mandar um progressivo para voltar ao encontro dos nossos treinadores, onde terminaria nosso treino.
Acho que depois de um dia sem treinar estávamos as quatro com vontade de voltar ao mar, pois voltar significaria que o tempo mudou e que nossa saída para a Travessia poderia estar mais perto novamente. Essa vontade fez desse o treino mais fácil até agora... o frio pareceu suportável, os braços mais leves. Saímos com a impressão que tinha sido um treino normal, como na piscina. Particularmente, saí satisfeita pois o último treino havia sido duro para mim...
Continuamos na expectativa de um dia para a saída... mas estamos confiantes que tudo vai dar certo, mesmo com os ventos que nos desanimaram ontem. Uma grande amiga me disse que ela estava procurando um santo, já que eu havia pedido para os amigos rezarem... então ela achou... não foi um santo, mas foi algo bem mais brasileiro: Iansã - Orixá dos ventos... ela me disse que deveríamos ser abençoadas pois a força dos ventos é feminina. Iansã, com seu sopro, alimentava a chama para forjar as armas que fizeram seu povo vencer a guerra. É a única Orixá que não se desdobra, pois o ar não se desdobra. Iansã é uma guerreira por vocação, sabe ir à luta e defender o que é seu, a batalha do dia-a-dia é a sua felicidade. Para os filhos de Iansã, viver é uma grande aventura. Enfrentar os riscos e desafios da vida são os prazeres dessas pessoas. Escolhem os seus caminhos mais por paixão do que por reflexão. Em vez de ficar em casa, vão à luta e conquistam o que desejam.
Ler tudo isso, por menos que eu conheça e siga esse tipo de religião (acho que é um tipo de religião), me fez pensar que sim, somos filhas de Iansã, não estamos aqui porque era o caminho mais fácil, mas sim porque foi o que escolhemos... sabemos o tamanho do desafio e seus riscos, mas temos a paixão necessária para conquistá-lo. Então crentes ou não, pedimos com respeito a benção de Iansã, que ela sopre com calma e carinho na direção que nadamos, nos inspire a não nos desdobrarmos frente às dificuldades e ajude-nos na nossa batalha defendendo o que viemos buscar!!! Oxalá!!
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