Todo nadador de águas abertas já ouviu falar da lendária travessia do Canal da Mancha. Além de ser uma das travessias mais difíceis do mundo, é uma das mais cobiçadas pelos apaixonados por águas abertas.

Em 2011 quatro nadadoras brasileiras tentarão vencer este desafio, mas de uma maneira diferente: elas irão atravessar da Inglaterra à França e voltar em revezamento, algo nunca feito antes por uma equipe de apenas quatro mulheres...


agosto 19, 2011

ESTAMOS DE VOLTA...



Praticamente dois meses depois que deixei minha última publicação aqui, estou eu aqui de novo. A última publicação nossa, foi no dia 29 de junho, quando a Giu descreveu, por sinal muito bem, como foi o dia da nossa travessia.
Penso que talvez vocês estivessem sentindo a nossa falta, mas também compreendam que precisávamos descansar, encontrar muita gente para contar como foi tudo, e arrumar muita coisa, que ficou para trás quando o foco era a travessia do Canal.
Será que vocês têm curiosidade em saber se ainda nadamos ou se ficamos traumatizadas após tanta água?? Ih, no meu caso, não teve trauma não. Logo que voltei para o Brasil estava com muita vontade de pular na piscina onde treino. O Igor tinha dado duas semanas off e ainda tinha dito que era bom ficar sem treinar. Que era a hora de fazer outras atividades, mas nadar, não. Eu consegui ficar 1 semana sem treinar. Na outra já voltei. Tudo bem que além dos títulos, ganhei um dedinho do pé quebrado, e isso limitava as atividades que conseguia fazer. Como correr não dava, fui nadar, com o dedinho imobilizado.
A primeira vez ao entrar na piscina foi muito estranha. Eu estava com expectativa, querendo saber como seria a sensação de entrar em uma água “quente” (mais ou menos 26,5°C onde eu treino). Talvez devido a essa expectativa, ao entrar na água o que eu mais estranhei foi que a água estava parada, e era muito límpida. Estava muito fácil deslizar nessa água, além, lógico, que nadar sem estar com todos os músculos contraídos de frio é maravilhoso. Acredito que eu tenha feito pelo menos 25 m com um sorriso no rosto.
Depois desse dia não parei mais de nadar. Mas agora a exigência é outra. O dia que não dá para ir, eu falto. Os finais de semana são de folga. E o mais estranho, o treino leva no máximo 1 hora e meia.
Desde quando entrei no Projeto sabia que a travessia do Canal seria um divisor de águas em minha vida. Foram meses de muito treinamento, dedicação, comprometimento total e foco nesse Projeto.
A viagem para a Inglaterra para a travessia foi muito especial. Foram dias e momentos de aprendizados, lições que eu levarei para o resto da minha vida.
Na maioria do tempo éramos sete pessoas que conviviam quase que tempo integral só pensando na travessia do Canal. Passamos nove dias antes do dia da travessia. E o que fazíamos não era muito mais do que dormir, comer e treinar. Estávamos sob uma forte pressão e ansiedade. No entanto, foram dias maravilhosos. Nos divertíamos muito e acho que devido à pressão, riamos de muitas bobagens. Aprendemos a conhecer os outros melhor, a enxergar um lado que não conhecíamos, e até a compreender melhor certas atitudes e comportamento dos outros. Éramos uma família unida e feliz!
Cada dia tinha uma novidade e um aprendizado. O primeiro contato com a água do Canal. Como seria essa água? Imaginava que fria. Na primeira vez que eu coloquei o pé: “nossa, bem mais fria do que eu podia imaginar”! Na hora passou pela minha cabeça: “e agora, como farei para conseguir entrar e nadar nessa água”? Ao mesmo tempo: “não posso demonstrar que estou horrorizada”. Melhor solução: “Vai ter que entrar sem pensar, e nadar”. Quando te disserem que você se adapta ao frio, acredite, pois é verdade. O frio que no primeiro dia parece insuportável vai se tornando cada vez mais tolerável, e tem hora que você nem se lembra mais dele. Talvez quando você descubra que tem algo pior do que o frio, o vento no Canal. O mar fica agitado, cheio de ondas que te jogam de cima para baixo em frações de segundo. Parece que te bate. Esquece a natação e a sensação que se tem é que você está tentando sobreviver em alto mar. Isso quando não parece que você está “enrolada” no meio da onda. Ou seja, você faz força, força e parece que não sai do lugar. E o pior é que, se de dia o mar está uma piscina, à tarde já pode estar revolto. Conclusão: o Canal é imprevisível.
Um dia crítico na nossa estadia esperando o dia da travessia foi o dia em que o vento estava a 60 km/h e não pudemos treinar. Um dia tenso, de silêncio. O Canal mostrou que ele é mais forte do que a gente, que se ele não deixasse, não poderíamos fazer a travessia. Hora de muita concentração, de usar a fé e orar!
Em compensação, os dias seguintes, em que conseguimos treinar, o fizemos com mais vontade, com mais garra, como se fosse por reconhecimento. E as adversidades até estavam mais amenas.
O dia da prova foi um presente. Um dia lindo, sem vento e ensolarado. Até o fato de termos saído mais cedo do que o previsto foi bom. Assim, não tivemos tempo para curtir a ansiedade. Tivemos que ficar concentrados na organização das coisas para levar, e partir logo. A natação na prova não foi o mais difícil. Tudo bem que desde a minha segunda queda nadei em um ritmo mais forte do que eu nadaria se dependesse só de mim. Na hora compreendi o porquê ter treinado tanto, acredito que igual como se eu fosse fazer a travessia solo. Fiquei aliviada pois não tive problema algum com uma das minhas maiores preocupações: sentir-se enjoada no barco. Uma médica da Escola Paulista me receitou um remédio, Meclin, e eu tomei-o ao longo do dia e me senti 100% bem. Fiquei bem disposta e não tive enjôo algum. Santo Meclin!
Duas grandes dificuldades para mim na prova: o frio e nadar à noite. Enquanto estava sol o frio não incomodava tanto. O sol trás uma energia boa, além de ajudar muito aquecer enquanto estávamos no barco. Quando o sol foi embora e a escuridão dominou, foi a hora em que foi possível sentir, literalmente na pele, como a cabeça comanda nosso corpo. Hora em que tive que bloquear todas as sensações e me manter concentrada e focada no objetivo final. Momento em que foi imprescindível a presença dos técnicos de pé olhando para mim na borda do barco. Era o que me confortava e que me fazia seguir.
Os minutos mais difíceis eram aqueles em que eu me sentava no barco aguardando a hora do juiz dizer para eu pular. Especialmente na hora que me sentei lá e estava noite, eu de maiô, tremendo, olhando para aquele mar em que não se enxergava nada além da luzinha na touca da Pri piscando. Eu sabia o frio que me esperava na água. Meu corpo dizia que não agüentaria o frio. Mas minha cabeça dizia que eu precisava suportar. Nessa hora minha respiração ficou ofegante e eu pedia para uma força maior para que eu conseguisse pular. Nesta hora, acredito que o Ricardo percebeu o meu desespero e me falou assim: “Lu, lembre do seu post “Acreditar”, acredite que você conseguirá”. Aquelas palavras parecem que me tranqüilizaram, e eu realmente consegui.
As maiores lições da prova foram o aprendizado de um real trabalho em equipe e o autoconhecimento. No que se refere ao trabalho em equipe, durante grande parte do tempo, éramos seis pessoas (as quatro nadadoras mais os dois técnicos) trabalhando por um objetivo comum. Como sempre, cada um tem uma personalidade, particularidades, qualidades e defeitos. Eu e as outras nadadoras temos nível técnico muito semelhante. No entanto, no projeto, ora uma se sobressaía em algum quesito, hora outra em outro. Isso é natural. Por alguns instantes foi difícil enxergar a unidade dessa equipe. No entanto, no dia da prova, tudo ficou mais do que explícito: o porquê dessas seis pessoas. Cada um, com a sua particularidade, tinha o seu papel. O papel de um complementava o do outro. E desta maneira, todos juntos completamos um todo. E este todo significou a realização do objetivo comum, a conquista do Canal com sucesso! Sei que a escolha da seqüência das nadadoras, feita pelos técnicos, não foi por acaso. Mas parece que até isso foi perfeito, que cada uma estava nadando no momento exato em que era necessário.
Foi importante conhecer melhor os meus limites, entender o poder que a cabeça exerce sobre o meu corpo. E, mesmo sob pressão, conseguir administrar melhor as emoções, as sensações. Estava lá, longe da família e de muitas pessoas queridas. Se por um lado eu queria muito realizar este sonho, eu sabia que havia um certo risco. Sabia que todas as pessoas estavam torcendo muito, mas ao mesmo tempo estavam apreensivas, com certo medo. A sensação da conquista de um sonho antigo, no qual me dediquei muito, foi incrível. É uma sensação de realização completa. Na hora que pisei na pedra mais alta, ergui os braços, e depois de alguns intermináveis minutos, ou segundos, não sei ao certo, para mim pareceram horas, rs, e a buzina tocou, compreendi que todo esforço e mesmo toda a dor valeram a pena. Que eu passaria por tudo isso de novo para sentir o que eu estava sentindo. Pensei que eu fosse me desmoronar de chorar, mas estava em transe, tentando absorver o que tinha acontecido. As lágrimas só vieram no hotel, após ter tomado banho e café, quando deitei a cabeça no travesseiro para tentar, finalmente dormir. Nesta hora, as lágrimas não paravam de escorrer e resolvi levantar para ler e-mails e os comentários no facebook. Queria ligar para casa, mas ainda era muito cedo no Brasil...
Pessoal, tudo foi incrível!! Beijos,
Lu

AS ATLETAS

Estas são as quatro atletas do projeto

GIULIANA P V BRAGA

GIULIANA P V BRAGA
Atleta de 37 anos, executiva do varejo esportivo, começou há três anos nas maratonas aquáticas. Entre suas conquistas se destacam: Campeã por categoria da Travessia 14 Bis Santos-Bertioga (25 km) em 2009, Terceiro Lugar por categoria da Travessia 14 Bis Santos-Bertioga (25 km) em 2008, Campeã por categoria em 2 das 3 etapas da Tríade Aquática Speedo em 2009, além de ser Top 3 nas provas que participou do Campeonato Paulista de Maratonas Aquáticas entre 2008 e 2010.

PRISCILA C SANTOS

PRISCILA C SANTOS
Atleta de 30 anos, advogada, tem experiência internacional em maratonas aquáticas e vários títulos na bagagem: foi Campeã do Hawaiian International Open Water Swimming Championship 2000 (3 e 5 km), Hexa-Campeã por categoria da Travessia 14 Bis Santos-Bertioga (25 km), Hexa-Campeã Paulista de Maratonas por Categoria, Campeã da Travessia Renata Agondi por categoria (10 km) e 6º Lugar na Travessia Internacional Ilha bela-Caraguatatuba (25 km).

LUCIANA AKISSUE

LUCIANA AKISSUE
Atleta de 33 anos, empresária do segmento de suplementos alimentares, participa desde 2002 de provas de piscinas e maratonas aquáticas. Dentre os principais títulos, estão: 3º Lugar por Categoria Travessia dos Fortes 2010 (3,5 km), 1º Lugar por Categoria Travessia 14 Bis Santos-Bertioga 2009 (25 km), 1º Lugar por Categoria Travessia 14 Bis Santos-Bertioga 2008, 1º Lugar por Categoria Travessia dos Fortes 2009, Campeã Paulista de Maratona Aquática por Categoria 2008.

MARTA MITSUI IZO

MARTA MITSUI IZO
Atleta de 40 anos, treinadora de Natação e Personal Trainer, foi a 5ª mulher brasileira a atravessar o Canal da Mancha em agosto de 2006. Entre vários títulos de travessias, foi quatro vezes vice-campeã por categoria da Travessia 14Bis, que vai de Santos a Bertioga (25 km) e está sempre entre as Top 3 das provas do Campeonato Paulista de Maratonas Aquáticas.