Todo nadador de águas abertas já ouviu falar da lendária travessia do Canal da Mancha. Além de ser uma das travessias mais difíceis do mundo, é uma das mais cobiçadas pelos apaixonados por águas abertas.

Em 2011 quatro nadadoras brasileiras tentarão vencer este desafio, mas de uma maneira diferente: elas irão atravessar da Inglaterra à França e voltar em revezamento, algo nunca feito antes por uma equipe de apenas quatro mulheres...


novembro 09, 2011

PEDRAS FURADAS

Nessa manhã fui novamente à praia, estava um vento forte que lembrava os dias de treino com mar agitado. Eu esperava nadar aqui, mas confesso que não tive vontade, pois está muito frio. A água está 14 graus, como pegamos, mas o frio fora é de cortar. Fui caminhar e fiquei procurando as pedras furadas que colecionei quando viemos fazer a travessia.


Engraçado que quando voltei e dei de presente para alguns amigos as pedrinhas furadas, todos me perguntavam se eu havia as furado para passar o cordão e eu sempre explicava que não... na verdade a ação de outras pedras menores sobre elas constantemente é o que as perfura. Imagino que são necessários anos e anos para que uma pedra acabe perfurada pelas menores, por isso elas não são muito fáceis de se encontrar.

De repente percebi que aquelas pedras na praia são exatamente como as pessoas... Normalmente encontramos pedras de cores, tamanhos e formas diferentes... olhamos para elas e as achamos comuns, elas muitas vezes passam desapercebidas pois se misturam entre todas as outras. Nem por isso deixam de ter a sua função e de serem especiais, A ação do tempo as modifica e elas vão tomando formatos diferentes, se adaptando às condições às quais são expostas. Existem as pedras que parecem perfeitas... bem redondas e lisas, de cores uniformes... muitas vezes chamam a atenção pela sua beleza e perfeição, mas por serem tão perfeitas, não se encaixam bem umas com as outras, deixando muitos espaços entre elas. Uma pedra perfeita sempre precisa de outra não perfeita para lhe dar equilíbrio. Há também aquelas pedras de formas totalmente indescritíveis e sinuosas, que se encaixam em qualquer lugar e por serem assim, permitem que todas as pedras se encaixem melhor, pois preenchem os espaços que vão se formando... tem gente que as acha esquisitas, mas a verdade é que elas ajudam o mundo a ser melhor, pois elas dão uniformidade e equilíbrio à ele. Por fim, aqui descobri as pedras furadas. Não sei se é algo que encontramos em qualquer lugar no mundo, mas aqui elas existem. São de todos os tamanhos, formas e cores, umas perfeitas e outras não, mas todas elas foram sofrendo a ação de outras pequenas pedras (tanto que algumas ainda têm a pedrinha dentro do buraco...), se modificando e acabaram por serem perfuradas.

Acho que somos moldados, como as pedras, pela vida e pelas pessoas que passam por ela. Tudo o que passamos desde nosso primeiro dia de vida nos fez chegar ao que somos hoje... nossa criação, a educação que nossos pais nos deram, as influências de amigos, professores, treinadores... A vida tem teoricamente uma sequência lógica, mas os fatos ao redor dela fazem com que cada um tenha as suas próprias experiências e por isso se diferencie, no decorrer do tempo, uns dos outros.

Hoje me sinto como uma dessas pedras furadas... moldada pelos fatos e pelas pessoas... e a beleza da vida é que a cada dia encontro mais pedras como eu... Acho que toda essa história do Canal me fez entender muita coisa na minha vida... aliás, jamais imaginei que isso fosse me modificar tanto. Voltar para cá foi maravilhoso para poder fechar esse ciclo e talvez começar um novo... Nada jamais poderá tirar de mim essas experiências e lembranças pois elas hoje fazem parte do que sou. Um buraco de uma pedra não se fecha, apenas se modifica... assim somos nós... enriquecemos a cada nova experiência que vivemos e a cada nova pessoa que encontramos... mudamos constantemente e temos que ter certeza que, sendo pedras perfeitas ou furadas, somos únicos em nossa forma e tamanho... exatamente do jeito que deveríamos ser.



novembro 06, 2011

ORGULHO SIM...


Entrei no hall do lugar onde o evento iria acontecer e vi várias pessoas bem vestidas... a verdade é que ninguém sabe como se vestir, tinha de jeans até smoking!!! Foi ótimo ter ido no meio termo. Dei uma voltinha pelo lugar, vi uns painéis com a história do Canal e logo uma senhorinha veio conversar. “Você é nadadora?”, “Sim, e você?”, “Eu também!!”. E logo me vi batendo papo com uma mulher que em 1961 atravessou o Canal da Mancha... se hoje as pessoas já acham um feito, imaginem naquela época... Uma figura... Me disse: “Meu filho adora esportes radicais, não sei de onde ele tirou isso...” e eu logo rebati: “Não sabe?? Você atravessou o Canal há 50 anos e não sabe de onde seu filho tirou a idéia de ser radical???”... demos boas risadas...

Me sentei em uma mesa com um casal Sul Africano (ele havia feito solo) e uma família Indiana, a filha de 18 anos havia feito em revezamento, mas no caso dela, ela entrou num revezamento que não conhecia ninguém... achei meio estranho, pois parte de toda a diversão de fazer o reveza é estar em equipe, compartilhar o momento com pessoas que vc gosta e confia. Mas enfim, cada um com seus grandes feitos, ficamos todos trocando nossas experiências...

Depois do jantar, britanicamente levantaram um brinde a todos e iniciaram os discursos. No primeiro deles, um membro da associação disse: “Esse foi um ano muito especial! Tivemos várias travessias com sucesso e pela primeira vez na história do Canal uma equipe de quatro mulheres fez a travessia ida e volta, não somente estabelecendo o recorde inaugural, mas batendo os dois recordes da travessia. Foi um feito único.” E todos aplaudiram... e eu fiquei lá, olhando aquilo e pensando dentro de mim: “Somos nós! Somos nós!”... foi a primeira vez na noite que me senti realmente orgulhosa...

A premiação foi rápida, sem discursos... eles nos deram 2 troféus: pelo melhor revezamento “não standard” (standard tem 6 pessoas) e pelo recorde. Os prêmios de melhor revezamento do ano feminino e geral deram a outras equipes “standard”, o que não achei justo, já que eles fizeram em 2 horas a mais que nós, com 2 pessoas a mais... Mas enfim... devem ser as regras deles... Subir lá e cumprimentas Michael Reed, o presidente da Associação, e ouvir dele que ele estava muito orgulhoso do nosso feito e muito feliz com a nossa presença foi também especial. Ele é um velhinho simpático que sustenta um colar de medalhas... Nesse momento o “Rei do Canal”, que fez a travessia por 33 vezes, parou em minha frente e começou a cantarolar: “Brasil, meu Brasil brasileiro...”... e rimos... me senti muito orgulhosa novamente... eles me deram os parabéns e comemoraram comigo.

Os troféus são somente para ter o gostinho, são devolvidos no fim da festa e ficamos com os certificados e duas plaquinhas comemorativas. Lógico que fiquei tirando fotos com nossos troféus, pois essas são “para a eternidade”... E fui tirar fotos com Andy, nosso Piloto, e Steve, nosso observador, que, por sinal, ganhou o melhor observador do ano. Andy me disse: “Você sabe que todos os troféus deveriam ser de vocês, não?”, e eu respondi: “Sim Andy, mas nosso troféu é muito mais que isso... entende?”...

Bem, depois conversei com muita gente e especialmente com Javier, o cara que fez a melhor travessia masculina do ano. Ele fez várias tentativas frustradas, mas jamais desistiu daquilo que ele acreditava, por essa persistência estava lá comemorando o feito dele. Conversar com todas estas pessoas me fez entender o quanto tudo isso é especial e único e o quanto eu devo me orgulhar. Quando o Igor me perguntou se eu ia e eu disse que sim, pois achava importante, ele disse que eu devia mesmo ir... hoje entendo porque. Tenho uma amiga, a Cris, que sempre me apresenta para as pessoas falando: “Esta é a Giu, minha amiga que atravessou o canal da mancha IDA E VOLTA”... e eu sempre fico envergonhada e pergunto: “Porque vc sempre fala isso??” e ela diz que se orgulha e que eu também deveria me orgulhar. Acho que depois de estar aqui novamente e viver tudo isso nessa noite, acabei por me convencer que foi sim um grande feito meu e da minha equipe... e que me orgulhar disso não significa “me achar”, mas significa sim valorizar aquilo que nós, a Balkis, nossa família e amigos acreditamos que era possível... e que conseguimos conquistar com honra e mérito... Então obtive a resposta para a pergunta que eu não queria ter pra sempre no coração: “E + SE” eu não tivesse vindo, jamais entenderia o verdadeiro sentido de ter orgulho do que fizemos.


novembro 05, 2011

"E" + "SE"

Adoro como as coisas são tranquilas e simples por aqui. Ontem cheguei ao aeroporto , peguei o metrô e fui para a casa da minha amiga Biu (obrigada querida, pela noite divertida em família!!!). A impressão que tenho é que se chega a qualquer lugar desta cidade por meio de trens e metrôs. Não existe preocupação com segurança, andar na rua com malas é a coisa mais natural do mundo! Cheguei muito perto da casa dela e caminhei até lá, passando por cima do Rio Tâmisa. Já pensei: uma nadadinha nesse rio deve ser legal.... e pensar que ele um dia foi pior do que o Tietê em termos de poluição... hoje é um rio limpo e bonito... dá realmente vontade de dar um pulinho!!


Outra coisa que adoro é que por aqui é comum na esquina ter uma mega loja de bikes (claro que fui!!), um shopping com lojinhas ótimas (GAP!! Ok – adoro!) e farmácias com todas aquelas coisinhas que as farmácias do Brasil não têm (com preços ótimos, mesmo em Libras!!)... enfim, só um passeio pela vizinhança já me alegra!!

Hoje já estou indo para Dover. Como disse antes, escolhi ficar lá pois é onde será o jantar nesta noite. Aliás, confesso que estou meio apreensiva com o traje do jantar... O Igor me disse: “homens de terno e mulheres com vestidos tipo casamento...”... o problema é que nos lembramos que a última vez que ele esteve nesta premiação foi em 1997... posso imaginar o que nós usávamos em casamentos há 13 anos atrás... então trouxe algo nem simples e nem “casamento”... se errar, acho que será por pouco.... rsrs... conto amanhã se passei carão!!

Outra coisa que está me deixando meio nervosa é a possibilidade de ter que fazer um discurso... obviamente em inglês! UFF!! Ainda não pensei muito nele, mas devo ter que escrever uma sequência para que eu não esqueça nada (nem ninguém)... tentarei filmar, caso aconteça...

Viajar sozinha é até divertido, mas a verdade é que adoraria ter minha equipe comigo... Vou passando nos lugares e lembro de tantas risadas que demos aqui juntos. Estávamos em 7 da outra vez, tudo era motivo de piada, principalmente com a Pri do lado (Pri, suas piadas e reclamações da comida fazem falta sim...). Acho que esse seria o momento perfeito de virmos juntos e vivermos um pouquinho daquilo que conquistamos... tenho a impressão que na premiação me sentirei como a Marta diz que se sentiu ao chegar na França sozinha: “OPA! Quem eu vou abraçar???”!! Bem, acho que será uma noite, no mínimo, interessante.

Ontem me peguei pensando se eu sou uma louca de despencar do Brasil até a Inglaterra para ir numa festa... e se de repente a festa for ruim??? Mas pensando nisso, cheguei à conclusão que mesmo que a festa não seja a maior diversão do mundo, pelo menos eu estive aqui... eu vim, eu vivi isso e nunca me pegarei pensando “e se”... Existe um filme que fala que “e” e “se” são duas palavras que nada significam separadas, mas que juntas têm um significado enorme... é a diferença entre você viver algo, mesmo correndo riscos, mesmo se vulnerabilizando ou tendo no coração a dúvida se deveria fazer aquilo; ou passar o resto da vida imaginando como teria sido se tivesse feito aquilo... E, sinceramente, acho que essa é uma das piores dúvidas da vida.

E hoje me sinto realmente feliz de ter vindo, agradeço às minhas irmãs, que me ajudaram a estar aqui, pois sei que jamais me pegarei pensando: “Como teria sido se eu tivesse ido na premiação?? Teria sido emocionante estar lá? Eu teria me sentido orgulhosa?”... Não... essas dúvidas eu jamais terei e, mais do que isso, tenho a certeza que serão sensações que farão parte da minha vida para sempre!!
novembro 02, 2011

MAIS CAPÍTULOS PARA NOSSA HISTÓRIA...

Há quanto tempo que não escrevo um post...
Fiquei pensando no porque disso e muitas coisas me vieram à cabeça.
Logo após a chegada ao Brasil foi uma loucura... queria ver todas as pessoas que haviam me acompanhado na jornada do projeto, compartilhar a experiência, contar as histórias “ao vivo”... Foi muito emocionante reencontrar as pessoas. Emocionante voltar à academia e ter um café da manhã me esperando, todos querendo saber como tinha sido a conquista. O mesmo no meu trabalho... Foi gratificante poder contar para pessoas queridas e ver lágrimas nos olhos de alegria e orgulho, pois elas sabiam tudo o que havia se passado para chegar ali e, portanto, o que significava aquela conquista. Enfim, a volta foi intensa!!!

Em seguida veio o empenho em tentar aparecer na mídia, jornais, TV, rádio... conseguimos algumas coisas sim, mas junto com isso veio também a frustração e a certeza de que em nosso país, pessoas como nós, que vão lá fora e realizam o que realizamos, não têm o menor valor. Pessoalmente tanto faz sair na mídia... o que conquistamos é nosso e estará em nosso coração e nossas lembranças para a vida toda. Mas agora acho que entendo um pouco melhor porque as empresas no Brasil não investem tanto em esporte: porque no final elas não têm o retorno esperado. Sinto essa frustração pela Balkis... sei que eles são muito orgulhosos do que realizamos e de terem nos apoiado, mas ao mesmo tempo eu gostaria que tivessem tido muito mais visibilidade... De qualquer modo agradeço aos meios de comunicação que nos deram espaço, que quiseram contar nossa história...

Por fim veio a vida... sei que já postei aqui uma vez a frase de John Lennon que diz: “Life’s what happen when we’re busy making other plans.” – “A vida é o que acontece quando estamos ocupados fazendo planos”... e a vida me pegou mesmo. Problemas pessoais, viagem a trabalho... Tantas coisas que aconteceram nos últimos meses que acabaram por me afastar das provas de águas abertas. Alguns amigos de travessia me cobraram porque não apareço mais, mas essa parte ficou para o ano que vem. Minha última e única prova do segundo semestre é o Pan Master. Tenho treinado bem, com muita vontade... e gostaria muito de fazer uma boa prova pois será minha “despedida” esportiva de 2011. Mas se por acaso não fizer, sei que esse foi um ano esportivamente iluminado, do qual lembrarei por toda minha vida, por ter conquistado o Canal!!

E então isso me leva ao porque de estar voltando a escrever depois de tanto tempo... e à minha segunda grande escolha do segundo semestre: participar da festa de premiação da Associação do Canal da Mancha, que acontecerá em Dover no próximo sábado. Amanhã embarco para Londres e depois pego o trem para Dover. Escolhi ficar lá e não em Folkestone, onde ficamos em Junho, pois é lá a festa. E o porque de eu querer tanto ir é porque existem coisas na vida que não acontecem duas vezes... e existem conquistas que devem ser celebradas. Acredito que o que fizemos foi único para nós, para o esporte, para as pessoas que nos cercam... acredito que fomos e somos exemplos de que quando se acredita nos sonhos, eles podem ser realizados... acredito que somos motivo de orgulho para nossa família e amigos... e acredito que por tudo isso eu tenha que ir até lá.

Estou na expectativa... e escrever sobre cada “capítulo” dessa experiência será uma boa forma de compartilhar o fechamento desse grande projeto!! Até o próximo capítulo então!!
agosto 19, 2011

ESTAMOS DE VOLTA...



Praticamente dois meses depois que deixei minha última publicação aqui, estou eu aqui de novo. A última publicação nossa, foi no dia 29 de junho, quando a Giu descreveu, por sinal muito bem, como foi o dia da nossa travessia.
Penso que talvez vocês estivessem sentindo a nossa falta, mas também compreendam que precisávamos descansar, encontrar muita gente para contar como foi tudo, e arrumar muita coisa, que ficou para trás quando o foco era a travessia do Canal.
Será que vocês têm curiosidade em saber se ainda nadamos ou se ficamos traumatizadas após tanta água?? Ih, no meu caso, não teve trauma não. Logo que voltei para o Brasil estava com muita vontade de pular na piscina onde treino. O Igor tinha dado duas semanas off e ainda tinha dito que era bom ficar sem treinar. Que era a hora de fazer outras atividades, mas nadar, não. Eu consegui ficar 1 semana sem treinar. Na outra já voltei. Tudo bem que além dos títulos, ganhei um dedinho do pé quebrado, e isso limitava as atividades que conseguia fazer. Como correr não dava, fui nadar, com o dedinho imobilizado.
A primeira vez ao entrar na piscina foi muito estranha. Eu estava com expectativa, querendo saber como seria a sensação de entrar em uma água “quente” (mais ou menos 26,5°C onde eu treino). Talvez devido a essa expectativa, ao entrar na água o que eu mais estranhei foi que a água estava parada, e era muito límpida. Estava muito fácil deslizar nessa água, além, lógico, que nadar sem estar com todos os músculos contraídos de frio é maravilhoso. Acredito que eu tenha feito pelo menos 25 m com um sorriso no rosto.
Depois desse dia não parei mais de nadar. Mas agora a exigência é outra. O dia que não dá para ir, eu falto. Os finais de semana são de folga. E o mais estranho, o treino leva no máximo 1 hora e meia.
Desde quando entrei no Projeto sabia que a travessia do Canal seria um divisor de águas em minha vida. Foram meses de muito treinamento, dedicação, comprometimento total e foco nesse Projeto.
A viagem para a Inglaterra para a travessia foi muito especial. Foram dias e momentos de aprendizados, lições que eu levarei para o resto da minha vida.
Na maioria do tempo éramos sete pessoas que conviviam quase que tempo integral só pensando na travessia do Canal. Passamos nove dias antes do dia da travessia. E o que fazíamos não era muito mais do que dormir, comer e treinar. Estávamos sob uma forte pressão e ansiedade. No entanto, foram dias maravilhosos. Nos divertíamos muito e acho que devido à pressão, riamos de muitas bobagens. Aprendemos a conhecer os outros melhor, a enxergar um lado que não conhecíamos, e até a compreender melhor certas atitudes e comportamento dos outros. Éramos uma família unida e feliz!
Cada dia tinha uma novidade e um aprendizado. O primeiro contato com a água do Canal. Como seria essa água? Imaginava que fria. Na primeira vez que eu coloquei o pé: “nossa, bem mais fria do que eu podia imaginar”! Na hora passou pela minha cabeça: “e agora, como farei para conseguir entrar e nadar nessa água”? Ao mesmo tempo: “não posso demonstrar que estou horrorizada”. Melhor solução: “Vai ter que entrar sem pensar, e nadar”. Quando te disserem que você se adapta ao frio, acredite, pois é verdade. O frio que no primeiro dia parece insuportável vai se tornando cada vez mais tolerável, e tem hora que você nem se lembra mais dele. Talvez quando você descubra que tem algo pior do que o frio, o vento no Canal. O mar fica agitado, cheio de ondas que te jogam de cima para baixo em frações de segundo. Parece que te bate. Esquece a natação e a sensação que se tem é que você está tentando sobreviver em alto mar. Isso quando não parece que você está “enrolada” no meio da onda. Ou seja, você faz força, força e parece que não sai do lugar. E o pior é que, se de dia o mar está uma piscina, à tarde já pode estar revolto. Conclusão: o Canal é imprevisível.
Um dia crítico na nossa estadia esperando o dia da travessia foi o dia em que o vento estava a 60 km/h e não pudemos treinar. Um dia tenso, de silêncio. O Canal mostrou que ele é mais forte do que a gente, que se ele não deixasse, não poderíamos fazer a travessia. Hora de muita concentração, de usar a fé e orar!
Em compensação, os dias seguintes, em que conseguimos treinar, o fizemos com mais vontade, com mais garra, como se fosse por reconhecimento. E as adversidades até estavam mais amenas.
O dia da prova foi um presente. Um dia lindo, sem vento e ensolarado. Até o fato de termos saído mais cedo do que o previsto foi bom. Assim, não tivemos tempo para curtir a ansiedade. Tivemos que ficar concentrados na organização das coisas para levar, e partir logo. A natação na prova não foi o mais difícil. Tudo bem que desde a minha segunda queda nadei em um ritmo mais forte do que eu nadaria se dependesse só de mim. Na hora compreendi o porquê ter treinado tanto, acredito que igual como se eu fosse fazer a travessia solo. Fiquei aliviada pois não tive problema algum com uma das minhas maiores preocupações: sentir-se enjoada no barco. Uma médica da Escola Paulista me receitou um remédio, Meclin, e eu tomei-o ao longo do dia e me senti 100% bem. Fiquei bem disposta e não tive enjôo algum. Santo Meclin!
Duas grandes dificuldades para mim na prova: o frio e nadar à noite. Enquanto estava sol o frio não incomodava tanto. O sol trás uma energia boa, além de ajudar muito aquecer enquanto estávamos no barco. Quando o sol foi embora e a escuridão dominou, foi a hora em que foi possível sentir, literalmente na pele, como a cabeça comanda nosso corpo. Hora em que tive que bloquear todas as sensações e me manter concentrada e focada no objetivo final. Momento em que foi imprescindível a presença dos técnicos de pé olhando para mim na borda do barco. Era o que me confortava e que me fazia seguir.
Os minutos mais difíceis eram aqueles em que eu me sentava no barco aguardando a hora do juiz dizer para eu pular. Especialmente na hora que me sentei lá e estava noite, eu de maiô, tremendo, olhando para aquele mar em que não se enxergava nada além da luzinha na touca da Pri piscando. Eu sabia o frio que me esperava na água. Meu corpo dizia que não agüentaria o frio. Mas minha cabeça dizia que eu precisava suportar. Nessa hora minha respiração ficou ofegante e eu pedia para uma força maior para que eu conseguisse pular. Nesta hora, acredito que o Ricardo percebeu o meu desespero e me falou assim: “Lu, lembre do seu post “Acreditar”, acredite que você conseguirá”. Aquelas palavras parecem que me tranqüilizaram, e eu realmente consegui.
As maiores lições da prova foram o aprendizado de um real trabalho em equipe e o autoconhecimento. No que se refere ao trabalho em equipe, durante grande parte do tempo, éramos seis pessoas (as quatro nadadoras mais os dois técnicos) trabalhando por um objetivo comum. Como sempre, cada um tem uma personalidade, particularidades, qualidades e defeitos. Eu e as outras nadadoras temos nível técnico muito semelhante. No entanto, no projeto, ora uma se sobressaía em algum quesito, hora outra em outro. Isso é natural. Por alguns instantes foi difícil enxergar a unidade dessa equipe. No entanto, no dia da prova, tudo ficou mais do que explícito: o porquê dessas seis pessoas. Cada um, com a sua particularidade, tinha o seu papel. O papel de um complementava o do outro. E desta maneira, todos juntos completamos um todo. E este todo significou a realização do objetivo comum, a conquista do Canal com sucesso! Sei que a escolha da seqüência das nadadoras, feita pelos técnicos, não foi por acaso. Mas parece que até isso foi perfeito, que cada uma estava nadando no momento exato em que era necessário.
Foi importante conhecer melhor os meus limites, entender o poder que a cabeça exerce sobre o meu corpo. E, mesmo sob pressão, conseguir administrar melhor as emoções, as sensações. Estava lá, longe da família e de muitas pessoas queridas. Se por um lado eu queria muito realizar este sonho, eu sabia que havia um certo risco. Sabia que todas as pessoas estavam torcendo muito, mas ao mesmo tempo estavam apreensivas, com certo medo. A sensação da conquista de um sonho antigo, no qual me dediquei muito, foi incrível. É uma sensação de realização completa. Na hora que pisei na pedra mais alta, ergui os braços, e depois de alguns intermináveis minutos, ou segundos, não sei ao certo, para mim pareceram horas, rs, e a buzina tocou, compreendi que todo esforço e mesmo toda a dor valeram a pena. Que eu passaria por tudo isso de novo para sentir o que eu estava sentindo. Pensei que eu fosse me desmoronar de chorar, mas estava em transe, tentando absorver o que tinha acontecido. As lágrimas só vieram no hotel, após ter tomado banho e café, quando deitei a cabeça no travesseiro para tentar, finalmente dormir. Nesta hora, as lágrimas não paravam de escorrer e resolvi levantar para ler e-mails e os comentários no facebook. Queria ligar para casa, mas ainda era muito cedo no Brasil...
Pessoal, tudo foi incrível!! Beijos,
Lu

junho 29, 2011

DIÁRIO DE BORDO - PARTE 9

Dia de ir embora de Folkestone... as malas estão mais pesadas, mas não porque têm mais coisas dentro e sim porque levamos daqui muito mais do que trouxemos. Todas as experiências que vivemos ao longo desses dias aqui com certeza pesarão para sempre na nossa vida, hoje somos pessoas diferentes... nas palavras do nosso técnico Igor, passamos de alunas a mestras... aprendemos, praticamos, realizamos, vencemos... e de hoje em diante é nosso dever passar a frente tudo aquilo que vivenciamos. Malas pesadas... cheias de orgulho, realizações, cheias de histórias, sentimentos bons e ruins que tivemos, que fizeram desta, a jornada de nossas vidas...

... A segunda feira amanheceu com gosto de expectativa... sabíamos que aquele poderia ser nosso dia, possivelmente no final do dia. Mas um telefonema mudou tudo. Andy, nosso piloto, nos ligou às 7 da manhã dizendo que sairíamos às 9:30. Nada estava arrumado ainda... roupas, comida, equipamentos... mas daquele momento em diante parecia que sabíamos exatamente o que fazer. Cada uma de nós tinha na cabeça tudo o que precisava levar, as coisas comuns e as específicas de cada uma. Igor, Agnaldo e Ricardo também foram rápidos no preparo da alimentação e equipamentos. Todos prontos... Taxi para a Marina de Dover.

Ao chegarmos ao barco os dois Andys (pilotos) e os dois fiscais/observadores da Associação do Canal da Mancha, Frank e Keith, estava lá. Embarcamos as coisas, arrumando tudo nos compartimentos secos do barco, e logo partimos para a praia de Shakespeare Beach, onde teria início a travessia. Comecei a aquecer e alongar os braços, pois seria a primeira a nadar. Chegando lá o Igor me deu as primeiras instruções de como nadar, qual o ritmo e como seriam as trocas. Pulei na água para chegar à praia, onde tomavam sol duas mulheres... ficaram me olhando com cara de alienígena, mas apenas saí da água e ao escutar a buzinha do barco dando a “largada”, olhei para o céu e sem pedir nada, soube que estaríamos protegidas.

A primeira nadada foi fácil, os dias de treino haviam nos preparado para o frio. A água tinha a mesma temperatura, porém a superfície estava um pouco mais quente por causa do sol e do mar sem ondas. Nadei firme e feliz, nadei de olho no barco, mas com uma cabeça que viajava pelos tantos meses de treino, de esforço, de planejamento, de bons e maus momentos que passamos... nadei sabendo que ali terminaria de algum modo um ciclo da minha vida e da vida de minhas amigas. Foi bom, uma sensação de alegria e realização.

Dei a vez à Pri, ela foi a segunda a nadar... Subi no barco e rapidamente troquei de roupa para me aquecer. O sol estava forte, então me aquecer foi bem fácil. Me hidratei, comi... um ritual que se repetiria por mais algumas vezes ao decorrer da travessia. O astral no barco estava ótimo, é claro que cada uma guardava para si a expectativa de sua primeira caída na água, mas nos rostos eu podia ver a alegria de estar ali. Começamos a transmitir ao vivo pela internet, uma experiência que acabou por ser incrível... as pessoas podiam ver nossa prova e nós podíamos receber suas mensagens escritas. A terceira a nadar foi a Lu e depois a Martinha. O sorriso no rosto de cada uma ao sair da água era a resposta do que cada uma estava sentindo. Todas nadamos com vontade, com força, com alegria... alegria de estar realizando um sonho, alegria de estar fazendo aquilo que mais amamos.

A segunda rodada foi igualmente tranqüila, o sol continuou a nos esquentar, o vento não apareceu, o mar foi nosso amigo. Fui visitada por uma – se é que posso adotar esse coletivo... – ‘enxurrada’ de águas vivas... passei nadando por cima delas e uma maior queimou meu braço. A experiência de outras provas e outras queimaduras me fez não desconcentrar, pois sabia que o ardor era passageiro. A Pri teve a visita de uma família mais célebre... vários golfinhos nadaram perto dela por alguns minutos. Para nós que estávamos fora foi fantástico, para ela, acho que meio assustador... os “peixes grandes” que depois ela descobriu que eram apenas golfinhos!!! Na vez da Lu uma movimentação diferente tomou conta do barco. Igor andando de lá pra cá, conversando com os pilotos, com o Agnaldo... euforia nos olhos dele e a notícia de uma grande possibilidade: estávamos atrás do recorde mundial do revezamento feminino para a ‘perna’ Inglaterra – França. Jamais sonhamos com isso, mas era então um novo objetivo a perseguirmos. Começamos a gritar para a Lu apertar o ritmo e mesmo não sabendo o porquê, ela apertou. Martinha caiu na água na seqüência com a missão de nadar forte e me entregar o bastão a tempo de chegar à França na minha vez. A minha missão então foi nadar quase 2km em 1 hora... disse no barco que se não conseguisse, me aposentava... rsrs... nadei forte, provavelmente como nunca antes nadei... o Igor levantava a placa escrito “800m para a França, FORÇA!!” e aquilo me empurrava pois eu sabia que chegaria a tempo! 600, 400, 200... o barco parou, pois não podia mais avançar e sozinha fui até colocar os pés em solo Francês. Não conseguia respirar, o ar não entrava, misto de emoção e de toda a força que havia feito para chegar... pisei na areia, levantei os braços, a buzinha tocou... recorde batido!! Conquistamos a França em 8 horas e 22 minutos!!! AGORA ERA SÓ VOLTAR!!

O “só voltar” parecia fácil depois de uma ida tão tranqüila, o sol continuava firme no céu, o mar calmo. Sabíamos que, com o recorde batido na ida, tínhamos a possibilidade de bater o da ida e volta, então continuamos a nadar firme e com vontade. O dia foi chegando ao fim por volta das 21:30 da noite com a Martinha na água e com o fim do dia também foi embora o conforto do sol. Nadar à noite era meu maior fantasma, eu sempre disse isso às pessoas mais próximas. Caí na água no escuro da noite como alguém que vai para o sacrifício, não tenho a menor vergonha em dizer que tive muito medo e meu maior erro foi deixar que minha cabeça acabasse comigo. Frio, muito frio, era só o que eu pensava e sentia. Contava cada segundo para sair daquele pavor, não queria mais, estava sofrendo. Quando vi a Pri começar a se preparar para entrar na água sabia que ainda faltavam uns 20 minutos para acabar minha vez... acho que esses foram os mais longos e piores 20 minutos da minha vida! Entrei no barco tremendo muito e só pensava em por roupa e me aquecer.

Se eu achava que estava ruim, mal sabia que estava para ficar pior. A Lu, após me ajudar, sentou ao meu lado e me explicou que havíamos pego uma corrente contra e por isso havíamos nos desviado dois milhas do nosso rumo. Por esse motivo, os fiscais da prova queriam interrompê-la pois estávamos indo para fora da Inglaterra. Por mais que eu soubesse que parar não era o que eu queria no meu coração, meu corpo naquela hora dizia que era hora de parar. Eu não tinha forças, mas ao mesmo tempo apenas deixei para que os acontecimentos ditassem o que seria dali para frente. A Pri havia entrado na água com a missão de nadar por 30 minutos sem regredir mais e se assim fosse, tentaríamos continuar. A chance naquele ponto era nos colocar diretamente contra a corrente e nadar por uma hora e meia até que a corrente mudasse. Os fiscais acharam loucura, que não agüentaríamos, mas o Igor acreditou e disse: “eu treinei essas meninas, não você, eu sei do que elas são capazes de agüentar”. E com essa posição, permanecemos paradas pela uma hora e meia seguinte. A Lu entrou com a mesma missão que a Pri, conseguindo, em uma hora, nadar uma milha (cerca de 1,8 km), mas com as duas seguramos a posição e agüentamos a corrente, voltando ao jogo. Quando a Martinha entrou na água pela última vez estávamos novamente avançando e faltavam apenas 14km para a Inglaterra.

Antes de entrar novamente na água conversei por mensagem com minha irmã e duas amigas, essas conversas me deram forças, me fizeram ter confiança em mim. Mas ali, algo falou ainda mais forte, que foi a equipe. Ver nossos técnicos fazendo o máximo para nos manter no jogo, ver minhas amigas dando o sangue para nos manter na corrente, cada uma cuidando da outra e se apoiando psicologicamente... ali aprendi enfim o verdadeiro significado de EQUIPE, ali eu soube que chegaríamos ao fim, porque não éramos apenas pessoas em busca de um objetivo, éramos UMA EQUIPE.

Assim, a quinta entrada na água foi para mim um divisor de águas, foi onde aprendi que a cabeça dita tudo. Pensamento positivo, ter a fé, a força, a coragem... sentada na beira do barco antes de entrar a Pri me falou sobre uma passagem da Bíblia e realmente eu sabia que estava protegida. Pulei para a água escura e gelada, mas não senti mais frio... coloquei a imagem do sol na minha cabeça e passei uma hora cantando sozinha a música que embalou um dos nossos melhores treinos aqui: HERE COMES THE SUN... pode ser ridículo, mas aquilo me manteve concentrada e focada no nado forte que eu tinha que imprimir. A presença constante do Agnaldo e do Igor ao meu lado no barco também me fortificava e me fazia saber que tudo ficaria bem. Foi a hora mais rápida e foi onde eu soube que era muito mais forte do que eu mesma poderia pensar. Quando voltei para o barco e me troquei, sabendo que não entraria mais na água, me senti feliz, não porque tinha acabado minha missão, mas porque eu havia me superado. Limites que só estão na nossa cabeça.

A Pri nadou muito forte embalada por gritos e por muita força dos nossos técnicos... se esforçou tanto que quando saiu da água passou mal, vomitou, algo normal quando fazemos tanta força. E ela tinha feito provavelmente a melhor prova de distância da vida dela... precisávamos disso para voltar a ter a possibilidade do recorde. E conseguimos! Mais uma vez estávamos no páreo e quando finalmente a Lu caiu na água faltavam cerca de 3km, mas com a tarefa de quebrar mais uma corrente. Eu estava fazendo a transmissão ao vivo e as pessoas falavam de como ela estava nadando forte... e estava mesmo!! Estava nadando para ser aquela que teria a satisfação de comemorar na praia da Inglaterra não só a conquista do Canal, mas de mais um recorde! Estava nadando por ela, por nós três, pelos nossos técnicos, nossa equipe toda, pela Balkis, pelos nossos amigos e família... ali éramos as quatro nos braços de uma... Narrar aquilo para as pessoas que nos acompanhavam pela internet foi, para mim, algo inesquecível, uma satisfação e um orgulho! Faltavam poucos metros, a equipe gritava, os amigos gritavam de casa escrevendo “VAAAAIIIII!...”! O Igor entrou no barco de apoio para acompanhar a Lu, já que o barco grande não chegaria à praia. Começou a chover, comecei a chorar... chuvas e choros na Inglaterra, no Brasil, nos Estados Unidos, em Shanghai... mensagens de todos os lados: “VAAAAIIIIII!...”. A Lu saiu da água, levantou os braços... expectativa... a buzina tocou! Muita emoção, choro, alegria... um grito de alegria por tudo que se passou nesse mais de um ano... Recorde batido!! Conquistamos o Canal da Mancha em 18 horas e 42 minutos!!!

Quando a Lu voltou ao barco, o nascer do sol mais lindo de nossa vida aconteceu e nos iluminou para voltarmos para o porto. O controle do porto, que até ali nos mandava sair daquele espaço, pois estávamos no espaço dos cargueiros, agora nos parabenizava pelo feito e nos liberava para entrar pela porta da frente, onde nenhum barco de pesca entra... para o Andy, nosso piloto, tenho certeza que aquilo foi motivo de muito orgulho, vi em seus olhos...

Não sei até hoje explicar o sentimento, não sei ainda o que é ser alguém entre as quatro únicas pessoas do mundo que realizaram essa travessia da forma que fizemos e ainda por cima ser duplamente recordista mundial... Mundo... ele é tão grande... como assim???? Ainda não sei o que isso significa, possivelmente vá entender um dia! Hoje apenas penso em compartilhar isso com quem quiser saber, contar essa jornada...

E a jornada chegou ao fim... é hora de voltar, mas não sem antes agradecer!

Obrigada a vocês que nos acompanharam desde o primeiro momento... no projeto, nas piscinas e provas, no dia a dia, no trabalho, em casa... obrigada pelas palavras de incentivo sempre, as de conforto quando foi preciso... sem apoio não chegaríamos aqui.

Obrigada ao Igor por acreditar sempre, mesmo nem sempre mostrando isso. Hoje entendemos muito bem porque tudo foi como foi, entendemos as broncas, a maneira de nos guiar. Eu posso dizer que aprendi muito com você, meu “chefe” e te agradeço toda dedicação, todas as palavras que soube me dizer quando precisei, pois precisei muitas vezes. Sei que não foi fácil para você também, mas acredito que também tenha sido um aprendizado.

Obrigada ao Agnaldo, por ter sido um grande apoio nestes dias... um cara de poucas palavras e de muito humor, alguém surpreendente na nossa viagem!

Obrigada ao Ricardo por sempre contar nossa Jornada com o coração!!

E obrigada à BALKIS por acreditar em nós desde o primeiro momento e por nos tratar não somente como atletas, mas como família. Vocês deram a nós uma oportunidade que infelizmente em nosso país não é comum... pois sonhos, muitas pessoas têm, mas nem sempre têm a possibilidade de ir em busca deles por razões financeiras. Vocês nos deram os meios para realizar um sonho e hoje me orgulho, pois sei que finalmente retribuímos à altura de tudo o que vocês fizeram por nós.


Beijos,
Giu
junho 26, 2011

DIÁRIO DE BORDO - PARTE 8


Acho que esse diário de bordo seria muito desinteressante se simplesmente chegasse ao fim sem uma emoção mais forte do tipo "quem matou Odete Roitman"... as coisas têm a possibilidade de saírem certinhas... ou não... Fato que não teríamos achado ruim não ter surpresas, mas tê-las faz a coisa toda ter um sabor diferente e também nos faz viver novos momentos que não viveríamos sem elas.


Como aqui é "dia sim - dia não", amanheceu uma neblina incrível, não dava para ver nada! Pensamos: melhor assim, quer dizer que o Alfredo não vai ter vento!! É, ele não teve mesmo vento... mas não teve travessia também!! Descendo para o café a Pri foi fazer uma brincadeirinha batendo na porta do quarto dele e teve uma grande surpresa quando a porta se abriu! "O que vocês estão fazendo aqui???"... Pois é, a neblina foi tanta que ninguém pôde sair para atravessar, então eles voltaram.



Confesso que a notícia, à princípio, me deixou meio abalada e apreensiva. E agora???? Mas nada como parar e pensar. Não tem problema, ainda estamos no domingo, ainda temos 6 dias para fazer as coisas acontecerem!! Pensamento positivo é a melhor maneira de fa
zer as coisas fluírem... Fomos para a praia às 11 da manhã, a neblina ainda estava lá, mas o mar estava muito calmo... e frio! Hasteamos a bandeira Balkis, ainda não tínhamos feito isso... Depois nadamos tranquilas por meia hora, "só para soltar", disse o Agnaldo. Até paramos no meio do caminho para filmar e tirar fotos dentro do mar!! Voltamos no mesmo ritmo e saímos bem da água, pensando que possivelmente aquele teria sido nosso último treino. ÚLTIMO!!!!! Tomara!!!



Fomos almoçar e o Alfredo apareceu, estava tranquilo e confiante... isso foi bom de ver!! A possibilidade era que ele saísse às 5 da tarde. Tomei minha cervejinha, almoçamos sem pressa, como sempre... o céu ficou azul e o sol apareceu maravilhoso!! A cidade está mesmo bombando... todo mundo nas ruas, pessoas de shorts e camisetas, como se estivéssemos nos 35graus do verão brasileiro, crianças brincando na fonte, motoqueiros para todos os lados... a alegria do verão!!! Como eu disse esses dias: o sol muda TUDO!! À caminho do hotel decidimos caminhar até a ponta do píer, onde não havíamos ido ainda. A vista é linda!!! Pudemos ver as pessoas na praia, os pescadores, as falésias, o mar infinito... comentamos: "vocês poderiam imaginar isso um dia?? sair daqui e ir até lá??". Olhar para a França e não vê-la dá uma sensação que nadaremos até o fim do mundo... daqui juro que parece impossível... mas não é!! E chegaremos até lá!!



Fomos descansar na praia, hoje ela está lotada, muita gente tomando sol. Estava um sol gostoso e dormimos um pouco ali, até a hora que o Alfredo deveria sair. Ninguém no saguão do hotel... mas de repente o elevador abre e saem os rapazes com toda a "mudança" para a travessia... ELES VÃO PARTIR!!! Não resistimos e fomos junto com eles para Dover, queríamos dar uma força no momento final... Foi legal, conhecemos nosso barco, nosso piloto, o Andy, e os vimos partir... BOA SORTE!!!


Na volta pra casa compramos a prometida Guiness... na geladeira vai dar mais sorte!!!


Enquanto isso, ficaremos na expectativa para nossa hora, pode ser amanhã a tarde, a noite... terça... quarta... não sabemos quando, mas sabemos que chegará... e no momento certo estaremos prontas para a nossa partida!!!


Beijos,
Giu






junho 25, 2011

DIÁRIO DE BORDO - PARTE 7

Há muito tempo não dava tantos "refreshs" em um site quanto tenho dado no tal do site de previsão dos ventos... nova mania no hotel Grand Canaria... rsrs. Como se eu fosse a mais entendida no assunto, mas a verdade é que vejo as velocidades do vento, se tem mais figurinhas de sol que de nuvens, para onde a setinha aponta e a temperatura... muito intuitivo e com uma ajuda dos Universitários (no caso, o chefe...) começo a entender se segunda será mesmo um dia propício. O site disse que sim!!

A gente às vezes se assusta quando amanhece um dia nublado e com vento, acha que tudo foi por água abaixo. Nosso treino foi nestas condições hoje, o vento fez o mar bater, mas nadamos por uns 40 minutos bem juntas para não nos perdermos nas ondas. Pra quem já assistiu o filme Anjos da Vida, que conta a história de Salva Vidas da Marinha Americana, me sinto como numa cena do filme ao ver minhas amigas nas ondas para cima e para baixo. Perigoso? Diria que não... Mas é uma cena interessante... E menos perigoso ainda porque hoje tivemos a companhia de um grande barco da Guarda Costeira que resolveu ancorar na "nossa" praia... 

Aliás, dizem por aqui que os rapazes estão começando a sentir os efeitos da convivência diária com 4 mulheres... Ontem Ricardo se jogou ao mar gelado e nadou... mesmo não sabendo nadar! Hoje Agnaldo se atirou ao mar e não contente, quase entrou embaixo do tal do barco da Guarda Costeira... os rapazes estão enlouquecendo!!!! Ainda não sabemos qual será a tentativa do Igor de aliviar as tensões causadas por nós, mas estamos tentando dar um refresco... Podem imaginar o que significa por um ano ouvir todas as crises femininas e TPMs de 4 mulheres ao mesmo tempo??? Pois é, Igor não bateu só o recorde do Canal, mas também está batendo o recorde de tentativa de compreender as mulheres... Sabemos que a vida dele nunca mais será a mesma depois de nos ter treinado... mas também tenho a certeza que jamais ele voltará a Folkestone sem se lembrar desses dias divertidos que tivemos aqui!!! Ele ainda sentirá saudades de nós 4!!!


Hoje tivemos a primeira grande notícia com a ligação do Andy, nosso piloto, confirmando a saída do Alfredo para amanhã 4:30 da manhã. Alfredo vai fazer a travessia solo até a França, amanhã estaremos na torcida dele para que consiga essa conquista!! É sempre bom ver mais um brasileiro na lista daqueles que conquistaram o Canal e tenho que o dia de amanhã nos dará mais força para o nosso... portanto, no dia de amanhã, desviem as figas de vocês e torçam pelo Alfredo para que ele volte feliz para nosso hotel!! Eu prometi que vou o esperar com uma Guiness bem geladinha!!!!

Bem, amanhã será dia de atualizar por mais um milhão de vezes o windfinder... e também arrumar as coisas e aguardar pela nossa ligação!! Quando Andy ligar e disser que confirma a ida e o horário, poderemos postar aqui a hora que todo mundo vai poder se ligar no nosso site para acompanhar ao vivo. Sabemos que para vocês será madrugada, mas se reunam com os amigos, comprem uma cervejinha e se preparem para acompanhar o último capítulo do BigBrother Canal da Mancha... vai ter prova de resistência!!!

Beijos!!
Giu
junho 24, 2011

DIÁRIO DE BORDO - PARTE 6

Here comes the sun, here comes the sun,
and I say it's all right

Little darling, it's been a long cold lonely winter
Little darling, it feels like years since it's been here
Here comes the sun, here comes the sun
and I say it's all right


Little darling, the smiles returning to the faces
Little darling, it seems like years since it's been here
Here comes the sun, here comes the sun
and I say it's all right


Little darling, I feel that ice is slowly melting
Little darling, it seems like years since it's been clear
Here comes the sun, here comes the sun,
and I say it's all right
It's all right


Hoje acordamos antes do despertador… uma luz diferente entrava pela janela: O SOL!!!!
Desde que chegamos aqui o amanhecer sempre foi meio nublado, sem uma luzinha mais amigável para nos dar bom dia. Esse sol nos inspirou a cantar a música dos Beatles “Here comes the Sun...”, como uma forma de festejar o início do dia. Eu e Lú nos preparamos para o café cantando...

“Little darling, it feels like years since it's been here”

Descemos para o café e infelizmente era a folga do Norman... o café não foi tão bom hoje!! Mas ok, ele merece um dia sem nós... Hoje faz 6 dias que estamos aqui e parece que faz um tempão... como eu já disse, nos sentimos em casa, não em um hotel!! Já entramos na cozinha, na geladeira (daquelas bem grandes!!), fazemos ginástica no meio do saguão e dormimos no sofá da sala... Quem disse que somos somente hóspedes??? O Quest (pastor bem velhinho que fica rodando pelo hotel) nem late mais para nós!! Sim, aqui somos de casa...


“Little darling, the smiles returning to the faces”

Depois do café eu e Lu fomos mais cedo para a praia aproveitar o sol…
Ontem começou o verão aqui... Mas acho que ele perdeu o trem para Folkestone e chegou apenas hoje. Depois a Lu foi até o hotel e eu estava tirando fotos, quando vi de longe uma senhora caminhando nas pedras, ela era a única caminhando na praia. Ela veio chegando mais perto e quando chegou até onde eu estava sentada me disse (tipicamente inglesa!!!): “Such a lovely Day, isn’t it??”... e me disse que achava incrível que apenas nós 3 (eu, ela e um pescador) estivéssemos na praia num dia tão lindo!! “Me sinto muito mais viva depois de vir à praia e aproveitar este sol!!”, ela disse. Verdade... E é impressionante como o sol muda todos os humores...

“Little darling, I feel that ice is slowly melting”

A cada dia o frio do Canal parece menor... O Igor diz que o corpo demora 5 dias para se acostumar a esse tipo de condição. Realmente sentimos menos frio, meu pés sofrem bem menos (também porque a Lu deu a brilhante idéia de passar graxa só neles!!), os treinos parecem mais rápidos e mais fáceis.
Andamos até tendo companhia de quem não vai atravessar!!! Ontem o Agnaldo caiu na água para treinar, hoje foi o Ricardo, que para dar mais realidade às suas histórias, resolveu experimentar o frio do canal... passou dois minutos lá dentro, é verdade, dois que ele pensou terem sido meia hora!!!!! Rsrsrs...
Sentir a água menos fria é animador, pois temos mais confiança que o frio é um inimigo com o qual poderemos brigar: já conhecemos as armas dele e vamos com as nossas.
Mas sendo sincera, tem outra coisa que derrete esse gelo todo, que é a energia que recebemos de todos aí no Brasil, nossa família, amigos, todos os que torcem por nós e que nos apóiam. Esse calor, nem o sol tem igual!!!


Até me admira o calor dos Ingleses!! Todo mundo diz que Ingês é frio, mas sempre que entramos em uma loja, alguém nos pergunta o que viemos fazer e todos se admiram ao saber do desafio com um – também tipicamente inglês – “OH My God!!!”... Hoje no café depois do almoço o rapaz adorou tanto a aventura que propôs: “se vocês atravessarem, cafés e doces por nossa conta!!!”... com certeza voltaremos, pois ele é dono dos melhores doces da cidade!!!


Cada dia tem sido especial a sua maneira, os dias ruins servem de aprendizado, os bons servem como inspiração! Ontem chegaram aqui Cris e Claudio, amigos da Marta que moram na Suíça. Hoje chegou o Dr. Fumagali com sua família. É bom ter conhecidos perto de nós, faz o dia passar mais rápido e ter novas histórias a compartilhar. Agora sinto que a apreensão de antes se transformou na ansiedade da partida, mas é um sentimento legal, que a coisa toda está para acontecer. Me sinto bem, me sinto em paz!! Temos uma real possibilidade de sair na segunda-feira de madrugada, mas nenhuma certeza ainda... já vivemos dias de calmaria e tormenta e por isso sabemos que aqui temos realmente que viver um dia de cada vez... e assim vamos: vivendo e contando um dia de cada vez!!!

Beijos!!
Giu.
junho 23, 2011

DIÁRIO DE BORDO - PARTE 5

Quando a cabeça está boa e a vontade de realizar é maior que qualquer dificuldade, tudo parece mais fácil...

Hoje acordamos com um tempo bom, da janela o vento parecia menor que ontem, mas sabíamos que o mar não estava tão calmo. Tomamos nosso café da manhã como todos os dias e rimos com o Norman e seu jeito esquisito. Norman é o senhor que nos serve café da manhã todos os dias... no primeiro dia o Igor avisou: “não se assustem com ele”... e à primeira vista realmente é uma figura estranha... Talvez essa “figura” não faça dele alguém tão amigável, mas no fundo é um cara de bom coração e sozinho. Como conversamos e brincamos com ele, ele virou nosso amigo e já sabe nossas manias... sabe que a Lu gosta de geléia de laranja no café, que não somos fãs do café da manhã inglês com ovos e lingüiça, mas comemos algumas cestas de torradas feitas na hora. Sabe também que gostamos de leite e café, então todos os dias já se adianta: “hot Milk and coffe, right??”... Yes Norman!!!!

Depois do café descansamos um pouco e fomos treinar. O vento estava forte, mas não como ontem, assim como o mar. Fizemos um treino de uma hora, indo até o final da praia e voltando duas vezes. Fizemos braço e perna e acabamos rindo no meio do mar, cada uma com seus pensamentos... eu pensei que era engraçado estar batendo perninha no Canal da Mancha... quando em minha vida imaginei isso??? Ah, jamais...

Na segunda volta, lá no final da praia, começamos a sentir o mar bater mais, o vento apertar... aí era hora de fazer força e mandar um progressivo para voltar ao encontro dos nossos treinadores, onde terminaria nosso treino.

Acho que depois de um dia sem treinar estávamos as quatro com vontade de voltar ao mar, pois voltar significaria que o tempo mudou e que nossa saída para a Travessia poderia estar mais perto novamente. Essa vontade fez desse o treino mais fácil até agora... o frio pareceu suportável, os braços mais leves. Saímos com a impressão que tinha sido um treino normal, como na piscina. Particularmente, saí satisfeita pois o último treino havia sido duro para mim...

 À tarde, depois do almoço, fomos até Dover ver nosso barco, "Louise Jane", e andar um pouco pela cidade. Dover é uma cidade que gira em torno da atividade do porto, é bem bonitinha, não mais que "nossa" Folkestone. Lá encontramos com o Capitão Webb, o primeiro homem a atravessar o Canal da Mancha. Claro que hoje ele é representado por um busto, mas fomos lá conversar com ele e pedir a "benção" para fazer o mesmo que ele fez há anos atrás. 

Continuamos na expectativa de um dia para a saída... mas estamos confiantes que tudo vai dar certo, mesmo com os ventos que nos desanimaram ontem. Uma grande amiga me disse que ela estava procurando um santo, já que eu havia pedido para os amigos rezarem... então ela achou... não foi um santo, mas foi algo bem mais brasileiro: Iansã - Orixá dos ventos... ela me disse que deveríamos ser abençoadas pois a força dos ventos é feminina. Iansã, com seu sopro, alimentava a chama para forjar as armas que fizeram seu povo vencer a guerra. É a única Orixá que não se desdobra, pois o ar não se desdobra. Iansã é uma guerreira por vocação, sabe ir à luta e defender o que é seu, a batalha do dia-a-dia é a sua felicidade. Para os filhos de Iansã, viver é uma grande aventura. Enfrentar os riscos e desafios da vida são os prazeres dessas pessoas. Escolhem os seus caminhos mais por paixão do que por reflexão. Em vez de ficar em casa, vão à luta e conquistam o que desejam.

Ler tudo isso, por menos que eu conheça e siga esse tipo de religião (acho que é um tipo de religião), me fez pensar que sim, somos filhas de Iansã, não estamos aqui porque era o caminho mais fácil, mas sim porque foi o que escolhemos... sabemos o tamanho do desafio e seus riscos, mas temos a paixão necessária para conquistá-lo. Então crentes ou não, pedimos com respeito a benção de Iansã, que ela sopre com calma e carinho na direção que nadamos, nos inspire a não nos desdobrarmos frente às dificuldades e ajude-nos na nossa batalha defendendo o que viemos buscar!!! Oxalá!!
junho 22, 2011

DIÁRIO DE BORDO - PARTE 4








Hoje foi um dia diferente... tomamos café como todos os dias e fomos para o quarto nos preparar para o treino... de repente Agnaldo bate na porta e diz: “treino cancelado, o vento está muito forte”...

Não posso dizer que ficamos felizes, pois ao mesmo tempo que aquilo significava não entrar na água fria, também significava que a coisa estava feia... Um vento de cerca de 60km/h fazia com que o mar estivesse muito mexido, tornando impossível qualquer entrada na água. Para quem aguarda por uma notícia de bons ventos para a travessia, essa realmente não era uma boa forma de começar o dia. Me lembrei que um dia bloguei sobre uma prova em que Éolo e Netuno pareciam estar de mau humor... bem, hoje eles não estavam apenas de mau humor, estavam absolutamente revoltados!!!

Acho que agora começamos a viver mais o momento de expectativa por uma brecha dos ventos e do mar. O Igor e o Agnaldo passam o dia vendo as previsões do tempo e falando com Andy, nosso piloto. Estudar as marés faz parte do dever de casa e faz toda a diferença para a decisão final. Não existe dia certo, hora certa... o que existem são possibilidades e a tarefa dos nossos “chefes” é escolher a melhor delas.

Confesso que hoje foi o dia que mais me pegou na expectativa até aqui... até agora não havíamos falado muito sobre quando, que horas, etc... agora a “coisa” toda vai ficando mais real e vai nos fazendo pensar em tudo isso. Quando desci à tarde para escrever (só pega internet no saguão do hotel), conversei com meu irmão pelo Skype e contei do que estava acontecendo. Ele, então, contou para mim um pouco do que ele mesmo passou ao fazer o Caminho de Santiago...

“No meu primeiro dia em Santiago estava chovendo
Na primeira pedalada a bike quebrou
Sentei e pensei o que eu tava fazendo naquele fim de mundo
Tomei café da manhã, arrumei a bike e fui dar um rolé na cidade
Uma pessoa me falou pra não sair aquele dia
Fui no dia seguinte
Foi um dia lindo
Depois disso, entre altos e baixos, tudo deu certo
Em nenhum momento pensei em desistir
Apesar das dores e tudo
Quando eu cheguei, eu fiquei meio perdido
Acabou... e agora????
Tem a sensação de completar, depois de tanto tempo, na verdade a gente quer que acabe
Leva um tempo pra entender que acabou
Que a gente conseguiu
Aí liga pra casa e quase mata a mãe
A única coisa que você vai conseguir falar é: EU CONSEGUI ... EU TERMINEI!
Apesar de não escrever nada, estou sempre acompanhando
Me lembra muito a minha viagem
Depois a gente se sente “fodão pra caralho”...”

Ontem também conversei com uma amiga que está se preparando para a Meia Maratona do Rio... ela disse que o desafio dela nem se compara ao meu. Mas conversando com ela e com meu irmão eu tenho a certeza de que cada um de nós tem os próprios desafios e eles são grandes para nós, independente do que sejam, senão não seriam chamados DESAFIOS... a preparação, a expectativa, a satisfação a cada passo dado, a incerteza, a dúvida, a vontade que chegue logo, que acabe logo... tudo é igual para todos nós, seja como for, seja o que for... e a sensação da realização ao final também é... meu irmão não foi nada poético na sua última frase, mas ele tem toda razão!!!

Então hoje chego ao final do dia com a certeza que até aqui foi feito todo o possível para que conquistemos o desafio... corpo preparado, mente preparada, as pessoas certas que estão aqui conosco e uma torcida interminável daqueles que nos acompanharam desde o primeiro momento... tudo isso por enquanto é “vento a favor”... e que então Éolo e Netuno dêem sua parte de contribuição, nos tragam bons ventos e um mar "navegável"... podem até nos fazer sofrer lá dentro, mas que nos dêem pelo menos a chance de tentar!!!

Beijos,
Giu.
junho 21, 2011

DIÁRIO DE BORDO - PARTE 3



Hoje entendi que o Canal da Mancha realmente diferencia os Meninos dos Homens...



Iniciamos o dia com um belo café da manhã... mas já sabíamos que o treino seria longo. Depois de ontem, que encontramos um mar calmo, não esperávamos que tudo virasse novamente e que encontrássemos mar agitado. Foi o que aconteceu. Chegamos na praia e apesar de não parecer tão ruim, o vento anunciava um treino duro. Foram quase duas horas de frio e ondas, brigando contra o mar... fizemos uma alimentação no meio do treino e partimos para mais "uma volta".



Hoje confesso que não acordei nos meus melhores dias, não sei se estava com a cabeça ou o corpo pior, mas sabia que não iria ser um bom treino. Fiquei pensando em muitas coisas enquanto tentava acompanhar as meninas... pensava no que escreveria aqui, pensava se no dia seria assim... e pensava em todas as pessoas que têm nos dado tanta força e apoio.



Nessa semana uma grande amiga deixou uma mensagem aqui que adoramos: "não torcia por algo assim desde a copa"... Isso foi muito bom de ouvir pois realmente muitas pessoa têm nos acompanhado e torcido. Isso nos faz ir em frente, nos faz cair na água todos os dias e nos faz acreditar que podemos realizar isso, mesmo que o frio e o mar nos castiguem e que de vez em quando pareça difícil demais...



Hoje também fiquei pensando que esse é um grande desafio e que não é para qualquer um... admiro aqueles que fizeram isso sozinhos, pois estar nessa água gelada por tantas horas é desgastante física e psicologicamente... Para nós sei que será duro, a previsão de temperatura é de 2graus de noite, sabemos que a água será difícil de suportar, mas acho que ainda não imaginamos o que será fora dela...



Enfim, a cada dia descobrimos um pouco mais sobre esse desafio, sobre esse canal e sobre nós mesmas, nossas forças e fraquezas... nossos medos e nossas convicções... A cada dia entendemos um pouco mais que depois que realizarmos isso, nunca mais seremos as mesmas, nos sentiremos um pouco menos Meninas e um pouco mais Mulheres...



Beijos,

Giu
junho 20, 2011

DIÁRIO DE BORDO - PARTE 2






Hoje o Canal deu uma trégua para nós.... resolveu ser bonzinho e nos mostrar que nada como um dia após o outro...





Ontem confesso que todas saímos com medo do Canal... aquela água revolta nos fez perceber o quanto as coisas podem ficar feias!! Mas hoje parecia um outro lugar! Chegamos na praia e apenas pequenas ondinhas batiam nas pedras, de forma tão mansa que nem levantavam água. Ficamos felizes em ver aquilo... sem vento, sem ondas... o Canal estava realmente descansando após uma noite agitada...





O treino foi maior que ontem, foram 55 minutos indo e voltando na praia. A temperatura da água continua em cerca de 14 graus, mas hoje percebemos que faz toda diferença a quantidade de tempo que ficamos dentro da água. Eu, que tenho muita dificuldade com meus pés, saí da água com os pés dormentes... que melhoraram apenas quando tomei o banho quente no hotel. Ainda bem que o hotel é apenas a alguns metros do treino!!!





Fomos mais uma vez à cidade, lavamos roupas (com o tempo daqui nada seca...), almoçamos e passeamos um pouco. Depois as 4 se reuniram no quarto e ficamos batendo papo até a hora do segundo treino. Às vezes é meio chato apenas dormir, comer, treinar... então falamos bastante besteira, demos risadas e espantamos as incertezas que ainda temos! Como eu já disse, é bom estar em grupo!!





O segundo treino foi mais curto, porém estava ventando bastante e as ondas estavam batendo mais fortes. Nos pareceu que sempre os finais de tarde têm um mar pior. Nadamos por apenas 25 minutos e terminamos o treino debaixo de uma chuva fininha. Acho que tenho que agradecer a minha mãe por ter feito para nós os roupões forrados, pois estão nos salvando nas entradas e saídas do mar!!! (Além disso, fazem sucesso absoluto nas ruas!!!!!!).





É engraçado como as pessoas nos olham com admiração quando nos vêem entrando e saindo da água... E também, como andamos sempre uniformizadas, nas lojas o pessoal local pergunta se vamos nadar. Acho que eles sabem o quanto é frio e também nos parabenizam pela tentativa...





O jantar na "nossa casa", feito pela Rosa, estava delicioso... aliás, temos comido bastante, reservando energias para o dia da prova. Depois ficamos no saguão vendo fotos e, pra variar, rindo muito das pequenas histórias do dia a dia (algumas impublicáveis...)... tem sido uma experiência única viver tudo isso...





Amanhã volto para contar mais um pouquinho do nosso dia a dia e das figuras do nosso hotel!!





Beijos!!


Giu.
junho 19, 2011

DIÁRIO DE BORDO - PARTE I


Aqui começa nosso diário de bordo da Travessia. Diariamente contaremos como está sendo nossa viagem e os preparativos para o grande dia!



Chegamos em Londres ontem e viemos direto para Folkestone. Foram algumas horas desde o aeroporto até aqui, de trem, metrô, trem de novo... Nem vimos Londres direito, apenas de longe pela ferrovia.



Folkestone é uma pequena cidade litorânea. Casinhas de tijolos, como tudo o que já vimos aqui e algumas construções que para mim paracem meio mediterrâneas. Nosso hotel é bem simples, de um casal Espanhol e com algumas pessoas muito receptivas (e meio estranhas, eu diria... no bom sentido), mas o Igor já é de casa, então nos sentimos como se estivéssemos em uma casa de família.



A primeira visão do Canal foi do trem. É impressionante olharmos para ele sem enxergar o outro lado, mas diz o Igor que é melhor mesmo não vermos, pois se não enxergamos a França significa que não tem tanto vento e, consequentemente, não tem tanta onda. Ontem chegamos aqui 8:30 da noite, por isso não deu pra fazer muita coisa. Pedimos pizza no hotel e ficamos até 1 da manhã batendo papo, contando histórias e rindo muito. É muito bom estar aqui em grupo, isso tira muito do stress da prova... e nos faz não ficar pensando nisso a todo momento.



O primeiro treino foi hoje cedo, foi bem emocionante chegar na beira do Canal e saber que estávamos ali para o que trabalhamos mais de 1 ano para fazer. A água estava a 14 graus e a sensação ao entrar na água é de choque, que se transforma em uma sensação de quente... na verdade é como se o corpo queimasse. Depois de algum tempo a gente se acostuma e fica OK. No treino da manhã o mar estava mais calmo, mas depois, quando voltamos a tarde, estava muito agitado... neste segundo treino ficamos com mais receio do mar, o frio ficou em segundo plano... Foram treinos curtos, amanhã serão maiores, mas já deu para ter uma idéia de como é o frio aqui.



Andamos um pouco na cidade, almoçamos em um lugar que era uma igreja, bem legal... fizemos compras de supermercado e agora estamos aqui prontas para ir dormir...



Foi um dia gostoso, de descobertas, bate papo, treino e diversão... e o Canal, que antes era um desconhecido, hoje passou a ser menos misterioso... a tarde parecia mais um cavalo arisco, mas vamos tentar domá-lo a cada dia...


Bjs Giu.
junho 16, 2011

OBRIGADA e VAMOS LÁ!!



Finalmente chegou a hora tão esperada, a hora da partida para a Inglaterra esperar o grande dia, o dia da travessia!
Passou rápido, no entanto não passou despercebido. Foram 13 meses de dedicação, 38 semanas de trabalho específico. Nessas 38 semanas foram nadados em treino 1.314 km! Teve muito aprendizado, muitas dores, algumas broncas, muitas risadas, dias bons, outros nem tanto. Com certeza todos os momentos ficarão guardados na memória para sempre, com um sabor especial de uma fase única, nada fácil, porém muito prazerosa e gratificante.
Gostaria de aproveitar esse momento antes da viagem para agradecer algumas pessoas que, de alguma maneira, contribuíram para eu ter chegado até aqui:
- Todos os colaboradores dos Laticínios Balkis por acreditarem no Projeto, terem dado todo apoio, incentivo, força, carinho, tornando-o possível;
- Igor de Souza e Agnaldo: os técnicos. Sem vocês o caminho seria mais longo...;
- Minha família, cada um contribuiu do seu jeitinho, sua maneira especial de estar ao meu lado e incentivar. Obrigada por compreender, acreditar, apoiar;
- Meu melhor amigo por ser a pessoa que mais acredita na minha natação e que mais me incentivou. Companheiro de treinos, de provas e até rival. Não estará no barco no dia da travessia, mas com certeza estará no mar, principalmente quando as dificuldades surgirem.
- Alguns treinadores, que mesmo não fazendo parte deste Projeto, foram fundamentais para eu estar neste Projeto: Fernando Barros, Marcelo Floriano, Leandro Okuda, Ivan Junior, Samir Barel, Larissa Bolonhini;
- As amigas de equipe: Giu, Martinha e Pri, obrigada por me aturar, pelas risadas mesmo nos momentos mais difíceis. Por me ouvirem, pelos desabafos. Podem ter certeza que nas minhas quedas vocês não sairão da minha cabeça, especialmente nos momentos de dificuldade. Sei o que significa essa travessia para cada uma de vocês, o empenho, a dedicação que tivemos. Por isso, confio que tudo dará certo!! Queria fazer um agradecimento especial para a Giu, que foi quem ficou responsável pela maioria das tarefas da equipe. Sei que você fez pelas 4 o mesmo que faria por você. Por isso que ficou tudo tão perfeito. Valeu, você é uma das minhas duas irmãs coragem!!
- A todo pessoal da natação da Escola Paulista de Medicina, em especial aos treinadores: Edu Modenez, Peixe, Rodrigo Triviño;
- As meninas da Ginecologia do Esporte da Escola Paulista de Medicina. Vocês são excelentes profissionais e pessoas muito queridas;
- A nutricionista Ligia Valim, que foi quem me acompanhou ao longo desses meses;
- E por último gostaria de agradecer a todos aqueles que nos acompanharam ao longo desses 13 meses. Muitos eu não conheço pessoalmente, mas parecem íntimos. Obrigada por todas as mensagens de incentivo, admiração, encorajamento, carinho. Esta torcida é demais. Estarão com a gente no Canal!!
Com carinho, beijos a todos,
Lu

AS ATLETAS

Estas são as quatro atletas do projeto

GIULIANA P V BRAGA

GIULIANA P V BRAGA
Atleta de 37 anos, executiva do varejo esportivo, começou há três anos nas maratonas aquáticas. Entre suas conquistas se destacam: Campeã por categoria da Travessia 14 Bis Santos-Bertioga (25 km) em 2009, Terceiro Lugar por categoria da Travessia 14 Bis Santos-Bertioga (25 km) em 2008, Campeã por categoria em 2 das 3 etapas da Tríade Aquática Speedo em 2009, além de ser Top 3 nas provas que participou do Campeonato Paulista de Maratonas Aquáticas entre 2008 e 2010.

PRISCILA C SANTOS

PRISCILA C SANTOS
Atleta de 30 anos, advogada, tem experiência internacional em maratonas aquáticas e vários títulos na bagagem: foi Campeã do Hawaiian International Open Water Swimming Championship 2000 (3 e 5 km), Hexa-Campeã por categoria da Travessia 14 Bis Santos-Bertioga (25 km), Hexa-Campeã Paulista de Maratonas por Categoria, Campeã da Travessia Renata Agondi por categoria (10 km) e 6º Lugar na Travessia Internacional Ilha bela-Caraguatatuba (25 km).

LUCIANA AKISSUE

LUCIANA AKISSUE
Atleta de 33 anos, empresária do segmento de suplementos alimentares, participa desde 2002 de provas de piscinas e maratonas aquáticas. Dentre os principais títulos, estão: 3º Lugar por Categoria Travessia dos Fortes 2010 (3,5 km), 1º Lugar por Categoria Travessia 14 Bis Santos-Bertioga 2009 (25 km), 1º Lugar por Categoria Travessia 14 Bis Santos-Bertioga 2008, 1º Lugar por Categoria Travessia dos Fortes 2009, Campeã Paulista de Maratona Aquática por Categoria 2008.

MARTA MITSUI IZO

MARTA MITSUI IZO
Atleta de 40 anos, treinadora de Natação e Personal Trainer, foi a 5ª mulher brasileira a atravessar o Canal da Mancha em agosto de 2006. Entre vários títulos de travessias, foi quatro vezes vice-campeã por categoria da Travessia 14Bis, que vai de Santos a Bertioga (25 km) e está sempre entre as Top 3 das provas do Campeonato Paulista de Maratonas Aquáticas.